Assim como em Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima), também do diretor Clint Eastwood, Sniper Americano (American sniper) tem um ex-atleta olímpico no lado inimigo, no caso do primeiro filme, o ponto de vista da batalha é o dos japoneses, caso muito diferente do filme lançado recentemente que retrata a autobiografia de Chris Kyle, considerado o mais letal matador da história do exército americano, que enfrenta o sniper inimigo que também possui suas lendas e fama de forma a endossar um duelo equivalente nas terras áridas lembrando remotamente os filmes que Eastwood atuava (Faroeste folks!).
A coincidência entre Cartas de Iwo Jima e Sniper Americano sobre os ex-atletas olímpicos é somente o que acabei de citar no início desse parágrafo e o é esse elemento e toda e qualquer outra comparação entre os dois filmes do mesmo diretor. O que na minha humilde opinião, o primeiro é mil vezes melhor do que este que mal chegou.
Sniper Americano não é filme para questionar os motivos que levou o exército até o Iraque.
O enredo é fiel à adaptação da biografia de Kyle, aquele americano comum, que tentava a vida como caubói no Texas.
Vemos em sua infância um pai que o levava para caçar, inevitável não lembrar de Círculo de Fogo (Enemy at Gates). Somos introduzidos na lição paternal, ditada na mesa de jantar quando Kyle e o irmão mais novo ouvem o sermão após terem se metido numa briga escolar. “Existem três tipos de pessoas no mundo: Os lobos, os cordeiros e os cães pastores”, formando a base ideológica e moral de um homem que almejou tornar-se um cão pastor.
Sendo difícil a vida adulta, não conseguiu se manter nos rodeios texanos, quebrar recordes de segundos montando touros raivosos não deve ser fácil. Uma noite, após uma reflexão sobre a vida sonhada vem a ideia de se alistar no maior exército do mundo motivado pela notícia das explosões das embaixadas americanas na Tanzânia e no Quênia. Aqui, deixa claro que o alistamento antes do fatídico 11 de setembro o coloca num patamar mais digno de patriotismo.
Treinamento puxado, conhece a mulher dos sonhos, embucha a que vai sofrer os próximos anos, e bum!
Iraq here we go, I don’t know why, but this is my job.
A justificativa de suas atitudes é rígida tal como uma escolha profissional, afinal, o alistamento não é obrigatório, e guerra na maioria das vezes significa uma ou mais mortes. E antes o inimigo do que eu.
Não é um filme em que há terreno para arrependimento, pois o serviço era proteger os seus, e Bradley Cooper atinge o pico de sua atuação quando hesita em atirar em crianças, mas se ela estiver segurando uma granada e põe em risco a sua tropa aperta o gatilho e volta a se lamentar.
Entre um emaranhado de clichês vamos percebendo que o intuito do filme é retratar os efeitos da guerra, a destruição da sanidade mental de um soldado e a persistência de querer continuar contribuindo com o seu heroísmo escolhido.
Apesar dos esforços do ator para o papel, como o ganho de massa muscular para se equiparar ao personagem, as aulas com armas para se habituar e todos os momentos chorosos, muitos têm questionado o seu desempenho para um papel que já é emblemático pelo número de mortes que Kyle conseguiu com sua habilidade.
Algo que correu a rede com deliberado e desenfreado sarcasmo a fim de minar as chances de Cooper ganhar a estatueta foi a boneca utilizada numa cena em que se desenrola um diálogo com sua esposa sobre a ausência na família:
Não critico esse deslize, pode ser um erro de edição, um artifício para dizer que há algo mais importante a prestar atenção ou uma garfada nos estúdios pelo orçamento limitado (parece que Spielberg abandonou a produção por esse fato).
Clint consegue que Cooper interprete a vítima do estresse pós-traumático herdado da guerra, mas não chega perto do que Kathryn Bigelow conseguiu explorar em Guerra ao Terror (The Hurt Locker), e não consegue enveredar por um caminho mais profundo em uma questão que perturba o governo Obama quando 22 veteranos cometem suicídio por dia.
Tema não somente de um passado polêmico, mas presente e mais ameaçador quando o ISIS cresce intimidando e fincando os dentes lupinos nos cordeiros que eles tiveram como missão trazer a liberdade e democracia (trabalho mal feito como podemos notar).
Obama está a solicitar aprovação do Congresso para uma incursão militar com maior contingente e com prazo indeterminado, justo ele, cujo mote nas primeiras campanhas era trazer os soldados de volta.
O desfecho de Sniper é mais cruel daquele de Guerra ao Terror, só nos mostra que os cães pastores não conseguem descansar quando só ouvem os prantos dos cordeiros, não importa quantos lobos têm de derrubar.
Torço muito para que Clint Eastwood mantenha-se vivo para fazer um filme melhor, seria lamentável ter esse como gran finale em sua carreira como diretor.
Ma’a salama!