Pensei em fazer uma resenha para cada filme que está concorrendo ao Oscar deste ano, tecer comentários críticos denotando os meus sólidos conhecimentos do simbolismo da sétima arte. Mas então percebi que listas desse tipo não dão certo comigo, pois sempre me atropelo com pendências deveras antigas e quando vejo, estou falando de um longa de dois anos atrás, então, aqui vem uma série descompromissada sobre os filmes que vi antes da 87ª cerimônia do Oscar.
Tão descompromissada que posso não resenhar um ou cinco deles, e não por vontade de influenciar ou esbaldar a minha preferência, é desleixo mesmo, do tipo que nunca permitirá ser um crítico respeitável, tudo bem, não era o queria quando pequeno…
Falei em Enigma Pessoal um pouco do que o trailer de O Joga da Imitação (The Imitation) prometia, já previa que a concepção de uma prévia de uma drama de guerra deixasse a questão do drama pessoal de Alan Turing (pai da computação) interpretado por Benedict Cumberbach (ícone nerd contemporâneo) de fora, mas o filme não esconde em nenhum momento a injustiça que o povo da terra do chá das 5 cometeram.
As atuações são muito boas, até mesmo o Mark Strong que parece ter caído na maldição do “se não é vilão é só um tipo de personagem”, no caso, o de agente secreto, basta assistir Rede de Mentiras (Body of Lies) e O Homem que Sabia Demais (Tinker Taylor Soldier Spy). Aqui ele é do MI6, e tem papel fundamental na organização/segurança/respaldo/manipulação do grupo de criptógrafos tentando quebrar o código da Enigma, máquina usada pelos nazistas em suas comunicações enquanto devastavam a Europa livre.
Benedict Cumberbach é perfeito não somente por possuir uma beleza estranha, ele é um ator com umas feições que fazem muitos arquearem as sobrancelhas, mas a simpatia em suas atuações conquistou milhões de admiradores, em Sherlock, vemos um personagem com uma genialidade que o torna antipático e mesquinho, e esse padrão é o mesmo ao interpretar Alan Turing, porém, o drama é mais notável.
Ele não se ajusta à sociedade por ser lógico demais, não decodifica piadas e entrelinhas, em muitos momentos são engraçados os diálogos, mas vemos um homem complexado desde a infância (no refeitório da escola separava as ervilhas das cenouras), e o buylling sofrido pelos maiores só piorava as coisas.
O tempo é crucial na trama, era guerra lutada pelos gênios em suas áreas. O desafio era tão grande que é explicado no início: As comunicações nazistas de cada ataque surpresa por caças ou submarinos flutuavam pelo ar e podiam ser interceptadas por qualquer estudante com um rádio AM. O problema era que eram criptografadas. E existiam 159 milhões de milhões de milhões de configurações possíveis. E se dispusessem de 10 homens testando uma configuração por minuto, sete dias por semana, vinte e quatro horas por dia, poderiam desvendar uma mensagem para evitar um ataque em 20 milhões de anos, e precisavam fazer isso em vinte minutos.
Entra em cena então o plano de Turing, que era o de construir uma máquina que pudesse competir de igual a igual com Enigma, que nada mais era do que outra máquina. Porém, naquela época, entre as circunstâncias da guerra e a patética tradicionalidade, o pensamento dos altos níveis hierárquicos não eram compatíveis com as genialidades de seu tempo…, epa, pera, acho que não mudou muito.
Enfim, o drama não fica estendido na ponta dos pés apenas da questão homossexual de Turing, o papel da linda Keira Knightley pende para a mosca na sopa do orgulho machista da época, com suas dificuldades de entrar para a equipe do projeto secreto cujo método classificatório mostrou que ela era mais ninja nos números que o próprio Turing. O casamento entre os dois gera um diálogo convincente sobre relacionamentos, sobre o que seria uma vida feliz a dois.
Há outros pontos interessantes na trama como a caça a agentes duplos e o porquê de certas permissões. A questão ética muito discutida após a história da investigação criptográfica vir à tona também está lá, quando o primeiro computador desvenda um código, mas precisam se conter em não revelar às autoridades para não evitarem um ataque, pois senão os alemães saberiam que seu enigma foi desvendado e mudariam a configuração da máquina dificultando e atrasando novamente o trabalho dos gênios.
Tal como em Uma Mente Brilhante (A Beautiful Mind) o insight principal surge em um bar e o grande gênio deixa o local às pressas para testar o resultado. Não sei qual a aproximação com a realidade e os fatos históricos, mas aos matemáticos de plantão fica a dica: bebam algumas para relaxar que isso pode lhe garantir prestígio e imortalidade.
O final há os números estimados do que o trabalho da equipe de Turing poupou: 2 anos adiantados para a vitória e cerca de 28 milhões de vidas.
Mesmo com o fato histórico, a opção sexual do matemático de origem polonesa lhe rendeu a condenação por indecência.
Após ter sua saúde física e mental abaladas pela castração química (escolhida por ele ao invés de ir para uma cela e que é justificado por sua vontade de continuar com as pesquisas computacionais) o suicídio por uma maçã envenenada foi uma trágica solução para seus problemas.
Não é à toa que está concorrendo a uma série de estatuetas, o drama é denso, e não precisa ser um gênio matemático para se sensibilizar.
Talvez, o próximo post seja sobre um tal de Sniper Americano…
Ma’a salama!