Assistir dois filmes sobre genocídio na mesma semana dá aquele shake na mente e isso é um gatilho o suficiente para falar sobre esse tema sombrio.
Então, aperte os cintos, que o assunto poderá um ser um pouco extenso, tanto que sabiamente dividi em duas partes.
O primeiro filme é uma produção que passou despercebida até mesmo por mim, que assisto mais trailers e novidades sobre filmaking do que os longas em si.
A Promessa (The Promise) foi lançado nesse ano com atores de grande quilate nos papeis principais: Oscar Isaac como Michael, o armênio de uma vila pequena com a humilde ambição de ser tornar médico e ajudar a comunidade em que cresceu, Charlotte Le Bon como Ana, a armênia que será a beleza que entrelaçará um triângulo amoroso com Michael e Chris, um repórter interpretado por Christian Bale, que no então Império Otomano trabalha como correspondente e observador das tensões que estavam a se desenvolver no início da primeira guerra mundial.

Oscar Isaac como Michael, a promessa ganhou outro significado: o genocídio armênio não pode ser esquecido
O curioso desse é o tema do genocídio armênio ser tratado pela primeira vez por Hollywood.
Geralmente grandes produções de guerra focam na segunda guerra, momento histórico em que os EUA se formaram como a maior potência do mundo.
Porém, o problema não era apenas essa falta de gancho simbólico para poder estender a bandeira americana numa cena que inflamasse patriotismo.
O maior impasse deliberado sobre tal genocídio são as alianças políticas que dificultaram a exploração do tema. A Turquia até hoje nega que tal atrocidade tenha ocorrido, não reconhecem sequer o termo genocídio. Possuem seus termos para explorarem os acontecimentos da época, como uma guerra civil descontrolada que sucedeu com baixas entre dois lados.
Mas todos os historiadores e documentações corroboram com a versão constrangedora da humanidade. Mais de 1 milhão e meio de armênios foram mortos entre 1915 e 1917.
Aqui em São Paulo temos uma estação do metrô e um memorial dedicado ao acontecimento, poucos notam isso.
Muitos se sensibilizam com filmes sobre genocídios, e todo ano há ao menos um sobre o holocausto disputando atenção e a manter a tal consciência do Never Forget.
Mas esses mesmos muitos acabam se furtando de um interesse global e deixam apenas para se emocionarem com boas atuações.
A Promessa tem um triângulo amoroso num melodrama que é abafado pelo desespero da guerra e o genocídio elaborado pela potência turca que tinha como grande aliado naquela guerra a Alemanha que pelas mãos do Kaiser abastecia seu exército com navios e artilharias modernas
Um povo que não teve grande oportunidade de se defender, castigado por um ato conhecido como Marcha da Morte, onde milhares de homens, mulheres e crianças foram lançados ao deserto de Deir ez-Zor para morrerem por inanição e desidratados.
Após assistir ao filme vi que após seu lançamento no festival de Toronto milhares de trolls classificaram site IMDB com uma estrela para desmerecer a obra.
Fato interessante foi quando soube que o investimento não veio de todo dos estúdios americanos e sim de uma herança de Kirk Kerkorian, filho de imigrantes armênios que fez fortuna como empresário e dono de cassinos e que faleceu em 2015, ano do centenário do genocídio.
“Tá, você é o cara que já sabia desse genocídio há muito tempo e agora tá bancando o pedante e crítico do desinteresse dos outros”
Na verdade, sei do genocídio armênio desde que me interesso por rock. Sim. Como admirador da banda System of a Down sempre dei ouvidos ao frontman Serj Tankian, que possui descendência armênia e mantinha o discurso de encorajar a propagação do que ocorreu ao seu povo.
Mas o meu interesse escapou pela diagonal e na época do lançamento do Youtube além de ver vídeos engraçados assisti dezenas e dezenas de documentários sobre outras matanças, como por exemplo o de Ruanda, que por curiosidade há um filme obrigatório para assistir do mesmo diretor de A Promessa: Hotel Ruanda.
E não me sinto confortável, em nenhum aspecto de minha vaidade, em me considerar um pedante quando discorro sobre o tema.
Se achou isso deixo a minha queixa: Pare de ser tonho(a) e se ligue no assunto que é mais urgente.
Pressão política sobre algo que ocorreu há um século é valido sim, tanto mais quando atualmente há uma força contrária aos que se pronunciam contra a Turquia que enverga por um caminho obscuro com Erdogan no poder.
O filme incomodou o antigo Império Otomano. Em defesa de sua versão a Turquia produziu um filme intitulado The Ottoman Lieutenant, que em rápida pesquisa notei críticas severas quanto à desconstrução dos acontecimentos históricos.
Para se ter uma ideia, seria o mesmo que se a Alemanha tivesse lançado uma versão em que mostraria “um soldado nazista consciente que honra o país e o governo ao mesmo tempo em que tentaria salvar alguns judeus de uma guerra civil perpetrada pelo próprios semitas em solo europeu”.
Antes de considerar que as minhas comparações estão tendendo ao desmerecimento do holocausto volto a dizer: Pare de ser tonho(a).
Uma das maiores propagandas das campanhas do #NeverForget enfatizaram que a humanidade precisa, urgentemente, a aprender a se curar com os genocídios, de forma a identificar o patógeno e evitar que outros aconteçam, e não somente ficar rememorando em cenas que arrancam lágrimas.
Um dos banners que vi em 2015 num show da banda SOAD na Armênia trazia uma imagem de uma silhueta do imperador turco usando um chapéu fez e outra de Adolf Hitler com seu bigodinho com os dizeres em tradução livre: “Condenando o primeiro, nós poderíamos ter evitado o seguinte”
PS: entenda “tonho(a)” como bem lhe aprouver.
PS2: A parte 2 sairá em breve.
Ma’a salama
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