Encostada á porteira da fazenda de seu pai, uma moça de beleza notável encaracolava o cabelo com os dedos. Viu ao longe um homem vestindo roupas diferentes e levando consigo uma mala de médio porte.
Quando este homem se aproximou parou ao ver a moça bonita.
“Boa tarde moça”
“Boa tarde”, respondeu educadamente a bela moça.
“Eu não a conheço de algum lugar?”, perguntou o homem deixando a mala no chão e parando próximo á moça.
“Sou filha do Barão Plínio”, afirmou como se isso bastasse.
“Ah sim, eu bem que sabia que lembrava desse rosto maravilhoso”
“Lembrava?”, a moça se mostrou curiosa.
“Sim, eu a conheci na escola. Não se lembra de mim?”
A moça franziu a testa. Esforçou para se lembrar daquele rosto, mas talvez o bigode estivesse atrapalhando por fazê-lo parecer anos mais velho.
“Me desculpe, mas não me lembro não”
“Me chamo Ahmad”, disse o homem fazendo reverência á moça.
“Ah, agora sim, me recordo. Você é filho do turco, não é?”
“Sírio”
“Ah sim, me desculpe, mas você não tinha viajado para o estrangeiro?”
“Sim, viajei. Vou além dessas terras todos os anos”
“E você está indo viajar de novo?”, indagou a moça apontando com um olhar a mala de médio porte.
“Sim, sempre estou viajando”
“E o que você está fazendo da vida?”, a moça não pôde esconder a sua curiosidade.
“Eu sou um mascate”
“Ah…”, ela não conseguiu esconder a sua frustração. Do pouco que se lembrava dele era que era excepcional em matemática e ciências, e todos os professores indicavam que seu futuro era promissor, a maioria arriscava dizer que seria engenheiro ou médico.
“Não me pareceu muito impressionada.”, Ahmad exibiu um sorriso modesto.
“Não, é que não sei como consegue se sustentar com isso”
“Ora, sou ótimo nos negócios”
“Bom, me desculpe se fui rude com você”
“Não se preocupe, posso mostrar a você a vantagem de ser um mascate”
“Não precisa, se você diz que…”
“Permita-me bela moça.”, Ahmad abriu a sua mala e começou a tirar vários objetos de seu interior.
Ela não gostou do fato dele não dizer seu nome.
“Além de eu estar conhecendo o globo, viajar pelos sete mares, conhecer rostos diferentes, culturas diferentes, respirar outros ares e me apaixonar por mulheres com olhares distintos, eu também tenho contato com criações maravilhosas, como esta por exemplo”, ele mostrou uma pena.
“O que é isso?”, indagou a moça curiosa.
“Isso foi a caneta de um rei da Inglaterra”
“Jura?”
“Uhum. E tenho isto também”, ele guardou a pena e pegou um bumerangue.
“Que é…”
“Um bumerangue usado pelos aborígines da Austrália”
“Que interessante”
“Tenho também isto”, guardou o bumerangue e pegou um frasco violeta.
“É um perfume?”
“Sim, muito forte para fazer que alguém se renda aos seus encantos, mas acho que você não precisaria dele”
Ela abafou um riso e se sentiu um merecedora do elogio.
“Ahmad, você visitou a terra de origem dos seus pais?”
“Sim”
“Conheceu o deserto do Saara?”
“Minha família não é de lá, mas sim. Eu viajei pelas dunas do Saara com uma caravana de beduínos”
“E você encontrou alguma lâmpada mágica?”, ela se sentiu idiota ao ter perguntado aquilo.
“Bom, não uma lâmpada, mas tenho isso”, ele retirou um pequeno tambor, do tamanho da palma de sua mão.
“Mas tem um gênio mágico aí dentro?”, ela tentou se mostrar irônica ao formular a pergunta, mesmo na verdade querer acreditar naquela fantasia.
“Na verdade, tem um Djin. Sim, para que ele saia daqui eu dou três toques com o meu polegar”
“Jura?”
“E quanto é? Eu posso pedir para o meu pai comprar”
“Humm, pode ser seu se você quiser”
“Jura?”
“Sim, mas tem pagar mesmo assim”
“Hã? Não entendi”
“Um beijo”
“Ficou maluco? Eu não vou beijar você”
“Tudo bem, a escolha é sua”, Ahmad ia fechando a sua mala e fez menção de ir embora.
“Não, espere”, a moça olhou para trás, onde estava o casarão de sua família. Quis se certificar de que não havia curioso algum olhando para eles naquele momento.
“Um beijo?”
“Sim”
Ahmad abriu um sorriso vitorioso. Se aproximou da moça e eles se entregaram a um beijo quente.
Apesar dela sentir uma repulsa por se vender por algo que parecia ser um absurdo ela acabou gostando do ato.
“É todo seu”, disse ele entregando o pequeno tambor.
De imediato ela se apoderou do objeto e deu três toques com o polegar esperando que um gênio saísse de lá por uma fina fumaça e se materializasse, pronto a realizar os seus desejos. No entanto, nada aconteceu.
“Mentiroso!”
“Ora, ora. Por que ficou brava?”
“Você disse que ele saía daqui com três toques do polegar”
“Sim, esta é a forma que ele sai comigo. Você precisa descobrir como será com você. Do seu jeito”
“Sério?”, por um momento ela se sentiu idiota. Mas no fim, precisou acreditar.
“Sim. Preciso ir minha bela. O trem parte logo mais e é uma longa caminha daqui”
O mascate mandou um beijo no ar e começou a andar pela estrada.
“Espere”
“Sim”
“Você está usando aquele perfume?”
“Não. Eu não preciso”
“Quando você vai voltar?”
“Antes de você se casar”, respondeu com um sorriso malicioso.
“Então faz o favor de me trazer um presente”, disse ela se entregando ao momento.
“Pode deixar minha bela. Pode deixar”
E assim o mascate partiu, para seu destino. Deixando para trás mais uma vitória. Mais um coração esperançoso.