Todos os olhos (impotentes) em Rafah

Ninguém gosta de ver imagens de crianças mortas, com feridas abertas, sangue ensopando suas peles e roupas, sem cabeça, ou a deixarem lágrimas escorrerem em suas bochechas por dores de um massacre.
Ninguém gosta. Pode ser do seu bairro, ou de algum lugar distante em mais de 10 mil quilômetros.
Me incluo nessa gente. Porém, nos últimos 8 meses não fiquei um dia sequer sem ver uma imagem real disso.
Dias atrás, uma imagem (provavelmente) gerada por IA foi uma das mais compartilhadas desde o início do massacre em Gaza.
Com a mensagem “Todos os olhos em Rafah”, em inglês, ao centro, a imagem é passiva, higienizada de sague e ausente de corpos despedaçados, rostos em melancolia, desespero e angústia de quem não tem para onde fugir.
Não é intuito condenar quem compartilhou a imagem, eu a compartilhei.
O problema é quando percebemos a seletividade, e a impotência em nós, distantes e em conforto, quanto ao que está acontecendo, diante de milhares de evidências escancaradas diariamente.
Milhões de compartilhamentos da imagem indicou que milhões de pessoas estão de olhos em Rafah.
Somente Rafah?
Somente o sul de Gaza?
Somente Gaza?
Somente Palestina?
São, até o momento, mais de 35 mil mortes, metade são menores de idade.
Um milhão e meio de pessoas deslocadas de suas residências originais, orientadas por meio de arrasa-quarteirões a se amontoarem em Rafah.
A fome não dá trégua, pois a ajuda humanitária foi reduzida a números insatisfatórios e cada dia mais aumentam os empecilhos para entregas necessárias.
Outras centenas de vítimas na Cisjordânia, em confrontos com colonos israelenses que avançam com seus assentamentos ilegais e têm o amparo das forças armadas ao seu lado.

Arte de Sliman Mansur
Arte de Sliman Mansur



Apelo para a lembrança de que o famoso Picasso pintou a famosa Guernica estando na França e que tinha se abalado pelas fotos e relatos dos jornais.
Guernica foi uma obra ovacionada como uma imagem de manifesto contrário à guerra.
A segunda guerra mundial se iniciou dois anos depois, os nazistas não se sensibilizaram pelo quadro.
Isso quer dizer que mostrar algo sobre a guerra é inútil?
Não.
Mas deixa claro até que ponto somente ter os olhos em Rafah, ou Gaza, ou Palestina, ou Oriente-Médio não bastam.
Há movimentos que forçam não somente políticos, mas influenciadores, artistas e personalidades em geral a se manifestarem sobre a causa, não somente na opressão que ocorre na Palestina nos últimos 76 anos e 8 meses, mas em outros massacres e genocídios que estão ocorrendo hoje nesse pequeno grande mundo (pesquise o que vem ocorrendo no Congo).
Nesse movimento, pedimos que cobre um posicionamento de seu “ídolo”, que nos ajude a expor as imagens e situações do massacre que ocorre sem cessar há meses.
Esse apoio massivo é necessário, cada vez mais, sempre urgente.

Não vou parar de falar sobre a Palestina.
Não vou parar de compartilhar imagens nas redes sociais.
Mesmo que passivas, ou meras caricaturas, já que ninguém gosta de fato de ter que ver crianças reais mortas, com feridas reais abertas, sangue ensopando suas peles reais e roupas, sem cabeça, ou a deixarem lágrimas reais escorrerem em suas bochechas por dores reais de um massacre real.

Ma’a salama!

Our Boys – Parte 1

Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro de Israel, anunciou, de forma idiota como sempre, que a série Our Boys, transmitida pela HBO, falada em hebraico e árabe é antissemita.

Assisti ao piloto da série, que me cativou mais do que também a israelense Fauda (disponível na Netflix).

Antes de prosseguir, preciso deixar claro aos que não me conhecem que não nutro simpatia por nenhum tipo de extremismo.
E até mesmo no caso da causa palestina tenho meus ideais mais focados em empatia pelos lados envolvidos e com apelo ao conceito de diplomacia que todo nobre ser humano deveria se esforçar em partilhar antes de atirar a primeira pedra.
Não cresci com uma foto do Arafat na sala, tudo sobre a minha terrinha foi aprendido mais no pós 11 de setembro por vontade própria (meu pai voltou para nosso país natal um ano antes do fatídico dia e antes disso nunca me ensinou ou doutrinou sobre a tal causa) e sobrevivendo ao conteúdo absorvido na adolescência enquanto tentava me encaixar em alguma legitimidade de identidade.
Não sou nenhum Gandhi da vida, mas estou longe de evocar fogo e sangue, e consigo analisar os fatos com um olhar mais frio e “científico” do panorama todo.
Dito isso, espero que leiam, sem comichão de comentar prós ou contras ignóbeis, esse conteúdo sobre a série que irei postando conforme for assistindo aos episódios.

Os eventos da série são sobre o verão de 2014, em junho/julho, em que três garotos judeus são sequestrados na Cisjordânia e posteriormente encontrados mortos.
Tal episódio comoveu Israel, com grandes campanhas pelas buscas, criando levantes do exército sobre os territórios ocupados em semanas de aflição.
Na época, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu declarou que tal sequestro foi obra do grupo terrorista Hamas, algo que a organização negou veemente, e isso já seria ponta de desconforto político, pois todo grupo extremista não perderia tempo de assumir seus atos pelo simples conceito de espalhar o terror.
Assim que os corpos dos três garotos foram encontrados houve grandes levantes populares em diversas regiões, e em uma dessas aglomerações um jovem palestino foi sequestrado e queimado vivo por extremistas judeus.
Na sequência, manifestações no lado palestino eclodiram por todos os territórios e o Hamas, para ganhar protagonismo iniciou ataques de foguetes contra os territórios israelenses, que forçou ao exército ao contra-ataque deflagrando a batalha que foi batizada de Operação Margem Protetora.

O piloto mostra apenas o início de tudo, começando com uma ligação de um dos sequestrados e percorrendo os personagens dos envolvidos na investigação e do outro lado mostrando a outra vítima, o jovem palestino morto após a descoberta das mortes dos três jovens judeus.

Our Boys

Our Boys

O mais interessante no que diz respeito a produção da série é divisão de direção.
Enquanto que Joseph Cedar dirige sobre os eventos do lado israelense, Tawfik Abu Wael, de origem árabe, dirige o desenrolar no lado palestino.
O próprio título nos créditos iniciais aparecem em hebraico e árabe saudando a coprodução e participação conjunta.
Fauda tinha um pouco disso também, embora ficasse mais nos atores árabes a participação, sem abertura para produção.

Our Boys tem tudo para ser a série que eu queria ver sobre o conflito que ocorreu em 2014.
Critica os lados políticos sem se agarrar a outro lado político, focando, sem ser piegas, em um alicerce mais puro: as jovens vítimas que toda guerra santa maldita abocanha.

Ma’a salama!