Mo (Série da Netflix)

Eu iria colocar como título Mo – Um palestino no Texas, mas tive o receio de que interpretassem como um subtítulo brasileiro genialmente pensado pelo marketing.
Mo é uma série que estreou em agosto na Netflix em amplitude mundial.
O que mais me chamou a atenção é que a produção é da A24, estúdio responsável por grandes filmes nos últimos anos, principalmente de terror e com liberdade criativa atribuída aos produtores.
A série é estrelada por Mo (Mohammed) Amer como o personagem-título. A série é vagamente baseada na própria vida de Amer como um refugiado palestino que vive em Houston, Texas.)
Os americanos adoram reduções de nomes, Mohammed vira Mo (ou Moe), Alphonse vira Al (lembra do famoso mafioso Al Capone? Pois é), e nunca vi nisso um problema.
Considero a abreviação até charmosa.
Maratonei a série assim que estreou e o meu veredito é positivo, adorei o roteiro amparado na dramédia.
Sabia que existia um comediante chamado Mo Amer, mas nunca assisti nenhum stand-up dele, ou qualquer outra produção.
Como um palestino em uma família que está aguardando a oficialização da cidadania americana, empacada por burocracias mil e envolvida em todo rolo que é ser um imigrante refugiado palestino, o personagem se desdobra para viver e manter as contas em dia no tradicional estado do Texas, que a título de curiosidade, nos últimos anos tem sido figurado em um movimento separatista dos EUA com o nome TEXIT (pegando carona no Brexit) conquistando diversos políticos republicanos no engajamento.
A série não se perde muito em grandes explicações, não é documentário, é de fato uma dramédia focada em um personagem que mal segue o islã e vive em um ambiente culturalmente misto (a namorada de Mo é descendente de mexicana) em um estado tradicional e que possui grande luta contra imigrantes ilegais.
Mo tem nuances de todo o rolo cultural envolvido, muitas das piadas expressas eu vivenciei de alguma foram aqui no Brasil.
É sobre a ignorância histórica e geopolítica sobre a região, como muitas pessoas confundindo Palestina com Paquistão, ou então atribuindo referências judaicas quando tento esclarecer e centralizar sobre onde nasci: “Shalom!”, dizem muitos em boa intenção, mas equivocados porque sou do outro lado da fronteira e apesar da palavra para paz em árabe ser muito parecida (Salam), isso cai na dor de sermos um povo muitas vezes ignorada em seus problemas atuais (liberdade, refugiados, conflitos).
Veja, não clamamos o pódio de coitados número da região, há diversos povos que têm sofrido e muito em tempos recentes, procure pela situação dos curdos ou iemenitas por exemplo.
Porém, a causa palestina é algo que perdura há décadas, nossa Nakba começou no século XX, e não há milênios atrás.
São muitos detalhes a serem apontados, e todos considero importantes, pois são pequenas lutas, até erros de legenda que me incomodaram pelo simbolismo da luta que enfrentamos.
No segundo episódio intitulado “Mãe” há o detalhe descuidado por quem traduziu e legendou a frase original em inglês:
“Not as beautiful as back home but nice”
Ficando como:
“Não tanto quanto as de Israel, mas é”
O personagem é palestino, lar (home) para ele não é Israel, e sim Palestina.
E isso ocorre logo após uma cena em uma fazenda de azeitonas em que dois fazendeiros texanos expressam sua ignorância quanto a cultura.
Acho bom deixar claro que não culpo quem traduziu e legendou a série para português, tampouco rebaixar o seu trabalho, até porque tenho a impressão que esse ofício não é dado a cronogramas extensos, ainda mais quando a estreia da série é realizada na plataforma de forma mundial.
Esse foi um exemplo pequeno e ao mesmo tempo que incomoda que me deparo desde que me conheço como palestino vivendo no ocidente.

No mais, Mo é uma boa série contemporânea para assistir e dar umas risadas.

Mo
Mo

Ma’a salama!

A Qualquer Custo (Hell or High Water)

Quando vi o trailer por um momento pensei que o roteiro fosse de autoria dos irmãos Coen, responsáveis pelo excelente Onde os Fracos Não Têm Vez (No Country For Old Men). Mas a surpresa ainda foi boa, o roteirista é Taylor Sheridan, que nos trouxe Sicario – Terra de Ninguém (Sicario).
O filme mostra dois irmãos, Toby (Chris Pine) e Tanner Howard (Ben Foster) em uma jornada de roubo a pequenas agências bancárias pelo Texas, com capuzes de moletom, pistolas comuns e sem esconder que são da região, mas com o zelo de tomarem quantias pequenas, sem se deixarem ser tentados de levarem as notas de cem, tornando o caso desinteressante para o FBI.

E é aí que entra Marcus Hamilton, interpretado por ninguém menos que Jeff Bridges, perfeito no papel, como o Texas Ranger que está para se aposentar e aceita a tarefa de caçar os “drogados” como o seu parceiro Alberto (Gil Birmingham), meio índio meio mexicano, os classifica precipitadamente, porém, Marcus não dá crédito ao parceiro e entra na cola dos dois irmãos como espécie de missão a matar o tédio do fim de sua carreira.

O cenário tem um papel que destoa no filme, as cidades do Texas do qual os irmãos percorrem sofrem de uma crise socioeconômica exposta em pichações, banners e outdoors, entre críticas e ofertas sobre renegociações de dívidas por concessões de crédito.
No clima árido das fazendas extensas vemos poços de petróleo da Chevron, muito comuns no estado, trazendo a tona que as grandes corporações deitam e rolam com os recursos oferecidos pela região, sendo indiretamente também responsáveis por parte do problema que a população vem sofrendo, tudo  claro e testemunhado pelos civis que não escondem certo rancor pelos bancos.

É duro esperar o banco abrir às 10

É duro esperar o banco abrir às 10

Aos poucos percebemos que a causa que motiva os irmãos ao crime tem uma base que atenua a vontade de vê-los sendo pegos pela polícia, contando inclusive com apoio de algumas testemunhas que sentem certa nobreza no ato de seus atos, ou como um dos civis diz à Marcus:
“Legal ver eles roubarem quem me roubou por trinta anos”
Mas a aventura dos dois não é aliviada, não é fantasia crer que o Texas é uma terra de um faroeste moderno. Todo cidadão parece estar armado, e pronto para sacar sua pistola  e dispará-la com a senhora justiça a sorrir e aquiescer, como responde um senhorzinho numa agência bancária ao ser questionado se estava armado por um dos irmãos:
“Pode apostar que estou”

E ainda assim não parece que Taylor Sheridan se rendeu a fazer uma crítica social ao elemento intrínseco do estado em que se originou os cowboys. Há muito a questão do passado e seus conflitos étnicos que trazem amarguras até hoje, principalmente no sul, e outra vez a questão é tratada com recursos cômicos, com piadas por Marcus a fim de provocar o seu companheiro tudo direcionado ao lado indígena, e ao ouvir uma reclamação de Alberto que explica ser meio mexicano, o velho Ranger diz: “Ao acabar o repertório de ofensas indígenas parto para as ofensas mexicanas”

"O que não vão querer?"

“O que não vão querer?”

O final torna tudo mais interessante, creio eu, ter sido um dos levantes a garantir uma vaga entre os indicados a melhor filme, podia dizer que um faroeste moderno não levaria a estatueta, mas a obra dos irmãos Coen teve vez em 2008.

Ma’a salama