O Melhor de 2019

Tem gente que ainda faz retrospectivas, e olha só, esse ano rende a retro da década, mas, como foi tudo muito rápido, não vou me prolongar num post extenso.
Lembrando a minha regra, só coisas boas, para tentar esquecer as insanidades de lá fora.
Então bora lá:

Esse ano reli muitas coisas, principalmente dois livros que gostei bastante na adolescência do mestre Kurt Vonnegut, as ficções científicas Matadouro 5 e Cama de Gato, dessa vez, em edições novinhas em folha que estão marcando presença em minha prateleira.
Aproveitei para voltar a ler algo do mainstream, A Mulher na Janela, do autor A.J. Finn, um crítico literário que decidiu ser criticado e adaptado para as telonas, vi o trailer hoje de manhã.
Mas o melhor é um nacional, para nossa alegria tupiniquim, com uma história que se desenvolve entre o passado e presente e interlúdios de outras épocas, com grande apelo a amizades, inimizades, suspense, folclore e com uma penca de referências de serpentes.
Eis que Serpentário, do autor Felipe Castilho merece o pódio desse ano.

Ssssssssss

Ssssssssss

De HQs infelizmente acompanhei pouco, queria poder ganhar mais gibis de presente (fica a dica se tu nunca me deu nada).
Mas consegui fazer uma modesta contribuição e eis que o Opticus -Intervenções do autor Tiago P. Zanetic e dos ilustradores Mauricio Leone e Gustavo Lambreta chegou na caixa de correio.
Para não entregar muito, a história se inicia com uma intervenção cirúrgica, em que um médico tenta criar uma de cura definitiva da miopia, mas o processo cria um resultado de super-visão, em que ele passa a enxergar as mínimas falhas das coisas e até microrganismos vivendo nelas.

Para ver melhor...

Para ver melhor…


Nesse ano em que muitas séries resolveram acabar, e não estou falando apenas dos cancelamentos em lote da Netflix, mas de pesos pesados como Game of Thrones, que decepcionou muita gente, e Mr Robot que para meu alívio fechou a história com proeza e coragem por parte da produção.
Derrubar o sistema e se manter são não é para qualquer um, vai deixar saudades Elliot Alderson (e amigos).

/* Tá funcionando assim, não mexer nesse final */

/* Tá funcionando assim, não mexer nesse final */


Mas as melhores séries desse ano foram as minisséries, e as baseadas em fatos reais e/ou históricos.
Acho que em empate são as Chernobyl, Olhos que Condenam (When They See US) e Inacreditável (Unbelievable).
Pequei em não resenhar cada uma em separado, mas considero como obrigatório ver as histórias do desastre radioativo que poderia ter sido muito pior, das condenações absurdas dos cincos do Central Park e da investigação de estupros por duas detetives que honraram não somente o distintivo como também a luta das mulheres no mundo varonil.

"Qual o custo das mentiras?"

“Qual o custo das mentiras?”



Menções honrosas para a primeira temporada da série da terrinha: Our Boys, a segunda de Mind Hunter, a terceira de True Detective e a quinta de Peaky Blinders. A única (será?) de Watchmen, e os curtas da antologia animada Love, Death + Robots e Boneca Russa (Russian Doll).

Nesse ano de polêmicas envolvendo o ótimo Coringa (Joker), o longo porém prato cheio para fãs de Scorcese-Pacino-DeNiro O Irlandês (The Irishman), e a final da saga (seria mesmo?) Star Wars, e de filmes de peso como Era uma Vez em Hollywood (Once Upon a Time in Hollywood) e Vingadores – Ultimato (Avengers End Game) eu devo confessar que o meu predileto foi O Farol (The Lighthouse), em preto e branco, com ótimas atuações de Willem Dafoe e Robert Pattinson, ok, o filme foi um palco aberto para atuações de dois homens isolados se degradarem em meio a uma ilha com elementos de fantasia envolvendo a loucura de ambos, mas foi isso que me fisgou, e esse árabe adora filmes doidos em P&B.
Menções honrosas: MidSommar, O Rei (The King), Vidro (Glass), Vice, Nós (Us), Parasita (Parasite), Na Sombra da Lei (Dragged Across Concrete), Dor e Glória (Dolor y Gloria), Dois Papas (The Two Popes), El Camino.

Trampo leve e normal

Trampo leve e normal

O Rock respira por aparelhos, mas nesse ano o Metal deu espasmos fortes e uma pálpebra ficou entreaberta.
O clássicos do Nu Metal como Korn, Slipkot (Birth of the Cruel ficou no repeat por semanas) lançaram grandes álbuns mais do mesmo, deixando a sua marca quase despercebida dos anos 2010.
Após anos Rammstein lançou o sétimo disco intitulado Rammstein, cuja música e clipe Deutschland ficaram nas paradas por muito tempo. Porém, em termos musicais não tem muita diferença do que já fizeram antes.
Thom Yorke lançou seu terceiro álbum solo, Anima, para arrebatar corações daqueles que são apaixonados por suas músicas quase sem consoantes.
A música Last I Heard (…He Was Circling The Drain) foi outra que ficou no repeat, e que ainda ouço ao menos uma vez na semana.
“I woke up with a feeling I just could not take”
Agora, o grande trabalho musical do ano que merece o primeiro lugar foi o lançamento de Fear Inoculum, da banda Tool.
O hiato de 13 anos compensou, o álbum conquistou também de forma inesperada os tops da Billboard.

Tiozões do Rock (banda Tool)

Tiozões do Rock (banda Tool)


Fecho essa humilde retrospectiva com essa foto de um indivíduo caminhando em sua solitude nas dunas de Socrota, no Iêmen.

Uma leve introspecção

Uma leve introspecção


Nos vemos nos anos 2020!
Ma’a salama!

Até o Último Homem (Hacksaw Ridge)

Foi difícil dar crédito ao trailer de Até o Último Homem (Hacksaw Ridge), achei que seria uma história religiosa cafona, principalmente quando o diretor é nada menos que Mel Gibson, que se envolveu em diversas polêmicas por suas ofensas antissemitas e racistas, inclusive depois de ter dirigido A Paixão de Cristo (The Passion of the Christ), e todo o seu problema com o alcoolismo que impediu que ele fizesse uma ponta em Mad Max – Estrada da Fúria (Mad Max Fury Road) o que desfaz qualquer tentativa dele em parecer um bom cristão.

Mas quando fui introduzido ao filme, que tem Andrew Garfield como o protagonista de uma história de guerra real, percebi que essa é uma verdadeira obra realizada por quem dirigiu o épico Coração Valente (Brave Heart).
Há uma quebra na história semelhante ao memorável Nascido para Matar (Fullmetal Jacket) do Stanley Kubrick, em que a primeira metade se passa no camping de treinamento com um sargento durão compelindo os novatos a duros exercícios e ensinamentos de conduta e a outra em campo de batalha com os soldados a encarar a realidade de uma guerra em que o inimigo parece lutar de forma mais empenhada e embasada em sua ideologia.

No entanto, a diferença nesse filme é que o personagem principal, Desmond Doss, é adventista do sétimo dia e um Objetor da Consciência, fato que torna tudo mais interessante porque ele recusa portar uma arma durante o conflito.
A recusa causa indignação entre os colegas e superiores de farda. Quando questionado, Desmond diz que quer salvar vidas e não tirá-las, e seu alistamento não era para ser um fuzileiro e sim médico da tropa.
Há todo um processo de julgamento por indisciplina e insubordinação que mostra que tal pensamento mezzo religioso mezzo humanista não poderia ter lugar no exército do país que estaria a se tornar a maior potência mundial.

Andrew Garfield como o novato Desmond Doss

Andrew Garfield como o novato Desmond Doss

Esse não é o único empecilho na vida de Desmond, os problemas familiares não são ausentes quando se tem um pai alcoólatra que sofre com os traumas da Primeira Guerra mundial e que sempre foi violento para com ele e o irmão, e o fato de tal homem ser interpretado por ninguém menos que Hugo Weaving deixa alguns momentos memoráveis, como a cena em que o filho mais velho chega na mesa de jantar com um uniforme militar e o pai comenta sobre o amigo que adorava o uniforme e que levou o tiro pelas costas de modo que o sangue e as vísceras o sujaram, no fim, deseja que o filho levasse um tiro pela frente.
Há momentos cômicos, como por exemplo o romance que Desmond desenvolve com a enfermeira Dorothy (Teresa Palmer), tudo na inocência da época e aceitável pelo comportamento do personagem.

Os momentos de tensão chegam quando os soldados vão para a batalha, sendo um ponto de suma importância para que os EUA pudessem vencer a nação do sol nascente: Okinawa. Para quem assistiu a série The Pacific, ou simplesmente estudou a fundo sobre a Segunda Guerra, sabe o quão difícil foi vencer os japoneses lá.

Entre rajadas de tiros e um ambiente mortal que era localizado no alto de um desfiladeiro, não são ataques certeiros que fulgura o heroísmo de Desmond, mas sim seu desempenho em cumprir em que sempre acreditou: não matar.
E seus salvamentos sem nem mesmo tocar em uma arma garantem o filme naquele lugar no meu coração, tanto que muito lembrei de Gandhi, naquele filme em quem o interpreta é ninguém menos que Ben Kingsley. Onde a crença na não violência supera o mundo e seu estado de eternos conflitos.

"Mais um, por favor", era sua oração

“Mais um, por favor”, era sua oração

Não sou mais religioso, mas em tempos de Bolsonaro e alguns indivíduos que querem armar a população (justificando com passagens da bíblia…) e invocam a pena de morte, só consigo pensar num dos mandamentos mais importantes e que sempre teve peso em minhas reflexões:
Não matarás!

Ma’a salama