Ninguém gosta de ver imagens de crianças mortas, com feridas abertas, sangue ensopando suas peles e roupas, sem cabeça, ou a deixarem lágrimas escorrerem em suas bochechas por dores de um massacre. Ninguém gosta. Pode ser do seu bairro, ou de algum lugar distante em mais de 10 mil quilômetros. Me incluo nessa gente. Porém, nos últimos 8 meses não fiquei um dia sequer sem ver uma imagem real disso. Dias atrás, uma imagem (provavelmente) gerada por IA foi uma das mais compartilhadas desde o início do massacre em Gaza. Com a mensagem “Todos os olhos em Rafah”, em inglês, ao centro, a imagem é passiva, higienizada de sague e ausente de corpos despedaçados, rostos em melancolia, desespero e angústia de quem não tem para onde fugir. Não é intuito condenar quem compartilhou a imagem, eu a compartilhei. O problema é quando percebemos a seletividade, e a impotência em nós, distantes e em conforto, quanto ao que está acontecendo, diante de milhares de evidências escancaradas diariamente. Milhões de compartilhamentos da imagem indicou que milhões de pessoas estão de olhos em Rafah. Somente Rafah? Somente o sul de Gaza? Somente Gaza? Somente Palestina? São, até o momento, mais de 35 mil mortes, metade são menores de idade. Um milhão e meio de pessoas deslocadas de suas residências originais, orientadas por meio de arrasa-quarteirões a se amontoarem em Rafah. A fome não dá trégua, pois a ajuda humanitária foi reduzida a números insatisfatórios e cada dia mais aumentam os empecilhos para entregas necessárias. Outras centenas de vítimas na Cisjordânia, em confrontos com colonos israelenses que avançam com seus assentamentos ilegais e têm o amparo das forças armadas ao seu lado.
Arte de Sliman Mansur
Apelo para a lembrança de que o famoso Picasso pintou a famosa Guernica estando na França e que tinha se abalado pelas fotos e relatos dos jornais. Guernica foi uma obra ovacionada como uma imagem de manifesto contrário à guerra. A segunda guerra mundial se iniciou dois anos depois, os nazistas não se sensibilizaram pelo quadro. Isso quer dizer que mostrar algo sobre a guerra é inútil? Não. Mas deixa claro até que ponto somente ter os olhos em Rafah, ou Gaza, ou Palestina, ou Oriente-Médio não bastam. Há movimentos que forçam não somente políticos, mas influenciadores, artistas e personalidades em geral a se manifestarem sobre a causa, não somente na opressão que ocorre na Palestina nos últimos 76 anos e 8 meses, mas em outros massacres e genocídios que estão ocorrendo hoje nesse pequeno grande mundo (pesquise o que vem ocorrendo no Congo). Nesse movimento, pedimos que cobre um posicionamento de seu “ídolo”, que nos ajude a expor as imagens e situações do massacre que ocorre sem cessar há meses. Esse apoio massivo é necessário, cada vez mais, sempre urgente.
Não vou parar de falar sobre a Palestina. Não vou parar de compartilhar imagens nas redes sociais. Mesmo que passivas, ou meras caricaturas, já que ninguém gosta de fato de ter que ver crianças reais mortas, com feridas reais abertas, sangue ensopando suas peles reais e roupas, sem cabeça, ou a deixarem lágrimas reais escorrerem em suas bochechas por dores reais de um massacre real.
Findo 2023. Triste final de ano para a minha terra (sou palestino nascido em Jerusalém, para quem não sabe), acometida no último trimestre por um evento violento, com práticas genocidárias aos olhos do mundo (no ataque e na represália), em tempo real e com a atmosfera da impotência a depreciar a alma dia a dia. Para quem segue o site aqui, já sabe que posto somente as melhores coisas, ou boas. Mas o bloco que inicio, que é o de leituras vai para um livro importante para tudo o que está acontecendo: Meu Nome é Adam, de Elias Khoury. O livro é uma reconstrução da memória do Adam do título, nascido na Nakba (catástrofe palestina), e perpassa o massacre de Lidd, um dos muitos vilarejos que sofreram extermínio no início da ocupação israelense. Muitas histórias de 1948 foram caladas por décadas, ocultas em narrativas que lutam para ganhar luz. E esse romance é triste e belo em retratar essa memória de dor, de luta e esperança. Tradução de Safa Jubran.
Meu Nome é Adam
Onde Pastam os Minotauros, de Joca Reiners Terron. Um abatedouro de bois especializado em halal (selo acordado de práticas ligadas à lei islâmica) no interior do Mato Grosso, com fábula do minotauro pelo ponto de vista dos bois e minotauros. Há palestinos em um paratexto intercalado com outros paralelos, seja na matança pelo consumo amparado pelo capitalismo sanguinolento, seja pelos labirintos das noções que temos de nossos meios para sobreviver na esperança de um dia o mundo ser um lugar mais… justo.
Roxo, de Andréa Berriell. Fazia tempo que não lia um romance policial tão bom. E não é somente um romance policial, é uma narrativa envolvente que segundo muita gente comentou nas redes: “Daria uma bela temporada de True Detective”. Andréa Berriell transita entre passado e presente na trama com ótimas referências textuais e visuais que vão além da cor título.
Vou Sumir Quando a Vela se Apagar, de Diogo Bercito. Yacub e seu melhor amigo Butrus trabalham numa vila precária e rural síria. Há a saga de um jovem sírio que vem ao Brasil dos anos 1930. Algo que me fez refletir sobre as vivências de meu avô mascate que veio da Palestina para as terras brasileiras em décadas posteriores a da história, mas que provavelmente com muitos pontos a se imaginar sobre choques culturais. É uma história sobre amor, tragédia, distância e escolhas, muitas escolhas. Escolhas essas que são como um dedo a passar rente a chama de uma vela, transitando em dualismos, seja no Oriente-Ocidente, Real-Fantástico, Vou-Fico, Aceitação-Culpa. E tem um Jinn no meio de tudo isso.
Corpo Desfeito, de Jarid Arraes. É com uma técnica invejosa que Jarid conta a história de Amanda, que sofre pelas mãos de quem deveria ser seu porto seguro. Leitura que flui com uma facilidade sem perder o charme, fez um homem barbudo relembrar a atmosfera dos anos 90 e empatia por uma personagem sofrida.
Mil Placebos, de Matheus Borges. A internet, ah, a internet. O que há na internet, e em nós mesmos nessa era multiconectada? Mil Placebos é uma ficção científica, não somente do nível “Tudo tá sendo FC agora”, mais ou menos como a epígrafe de JG Ballard que tá no começo do livro. Mil Placebos é do tipo de livro que acho melhor a pessoa se arriscar a ler sem saber muito, sem ler a sinopse e ir somente no “vai que é sucesso”. Ah, aparece um palestino lá pelo meio.
A Telepatia Nacional, de Roque Larraquy. O argentino Roque Larraquy é engenhoso no trato que dá ao mostrar o tráfico de indígenas para o projeto de um parque etnográfico, ou zoológico humano, na Buenos Aires dos anos 1930. E para que o absurdo não pare aí, há um objeto trazido pelos indígenas que possibilita um evento telepático. E tem um senso de humor de um nível que não esperava da terra dos hermanos. Tradução de Sérgio Karam.
Das séries que tiveram suas últimas temporadas, vou sentir muito a falta de Succession. E também de How To With John Wilson. Velho demais para Morrer Jovem (Too Old To Die Young) foi uma surpresa caçada, dirigida pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn. Pesado. Algo leve e que garante boas risadas é Na Mira do Júri (The Jury Duty), em que há toda uma estrutura de tribunal e julgamento encenada para enganar apenas uma pessoa que pensa que tudo é real oficial. Planeta dos Abutres (Scavengers Reign) é uma série animada que mostra um grupo de trabalhadores espaciais “naufragados” em um planeta inóspito, com uma natureza tão mortal quanto bela. Ao que parece é a melhor coisa que a HBO (ou Max) lançou de novidade nesse ano. Corpos (Bodies), foi uma minissérie bacaninha de ficção-científica envolvendo viagem no tempo.
Esse ano foi o que parei para assistir a uma indicação que um amigo fez na faculdade 15 anos atrás. E então assisti o anime Monster do criador Naoki Urasawa. Achei genial. E fui pego de surpresa quando a Netflix lançou Pluto, outro anime de Naoki Urasawa. Uma minissérie que mostra um futuro em que humanos e robôs convivem com leis regendo suas vivências. A trama aborda as discussões que lembram Blade Runner, mas focando em um drama que vai ter paralelos com acontecimentos do mundo real (Guerra do Iraque pelas mentiras criadas pelos EUA) com o universo especulativo de lá (Guerra do Reino da Pérsia pelas mentiras criadas pelos Estados Unidos da Trácia).
Mas a série campeã foi Treta (Beef). Um desentendimento no estacionamento acaba gerando um ódio entre Amy (Ali Wong) e Danny (Steven Yeun) que percorre os 10 episódios que vão além de uma perseguição de gato e rato. Falar mais que isso é entregar spoilers irresponsáveis. Ainda bem que não dirijo, e tenho a terapia (self-med-abs) em dia.
De HQs pouco consumi. Mas As Muitas Mortes de Laila Star, de Ram V, foi a melhor aquisição e leitura. O desenlace da deusa da morte do hinduísmo ser demitida após o nascimento do deus que viria a inventar a imortalidade, e as reencarnações dessa demitida tentando se recolocar no mercado de trabalho com a tentativa de impedir que a pessoa nunca invente a tal da imortalidade, tudo é feito com uma sensibilidade, com homenagem cultural, e com cores e traços muito fodas que não via há tempos.
Se teve um documentário que merece respeito e é uma obra de noção da memória e da preservação da arte é Retratos Fantasmas de Kléber Mendonça Filho. Tem a visão pessoal e intimista sobre o uso da casa que sua mãe construiu como cenário de suas produções. Tem mapas nostálgicos de uma Recife mágica onde povoa uma cultura incessante. Tem um projetista que enjoou de O Poderoso Chefão (The Godfather) e viu vantagem quando fardados da ditadura chegaram para encerrar o cinema: “é bom que vou largar mais cedo”. Ah, e tem um cabra que fica invisível. Uma pena que a Academia do Oscar não o considerou como indicado.
Todo um auê por Barbie e Oppenheimer que uniu a internet para infinitos memes, e sim, os filmes são bons, mas também superestimados diante de todo esse auê. Os meus favoritos desse ano: Piscina Infinita (Infinity Pool), dirigido por Brandon Cronenberg (sim, filho daquele Cronenberg), que tem a Mia Goth em outro papel de doida. Os Banshees de Inesherin, com a dupla Colin Farrel e Brendan Gleeson que repetiram a dinâmica belíssima que já tinham feito em Na Mira do Chefe (In Bruges). Nesse filme com um humor bem irlandês vemos uma amizade que se transforma em um duelo de ódio. Assassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon), o último do Scorcese com o DiCaprio e DeNiro é um resgate histórico sobre o povo Osage, de sua sorte em descobrir petróleo em sua reserva, e do azar do homem branco se levar pela habitual ganância e o extermínio ignorado. Há uma menção rápida ao massacre de Tulsa, que sugiro uma pesquisa sobre o acontecimento que também é de pouco conhecimento (abordado na série Watchmen). Scorcese foi mestre em não transformar a história de Assassinos da Lua das Flores em uma mascarada ode aos símbolos americanos, creio que outro diretor poderia dar toda luz na narrativa focada no “surgimento do FBI”.
Menções honrosas para: Clonaram Tyrone (They cloned Tyrone), que foi subestimado. Tár, da Cate Blanchet sendo a artista gênio cujo umbigo é o centro do universo. El Conde, do diretor chileno Pablo Larraín, que reimaginou o Pinochet como um vampiro e que assim sendo, não morreu em 2006. Beau Tem Medo (Beau Is Afraid), em que Joaquim Phoenix está ansioso (e com medo?) a vida inteira (umas 3 horas). O Mundo Depois de Nós (Leave the World Behind), do diretor Sam Esmail, que fez uma das melhores séries da história (Mr Robot), num panorama apocalíptico. Ah, o filme é produzido pelo casal Obama.
Em se tratando de música fui um tiozinho bem agarrado ao passado nesse ano. Mas posso destacar o ótimo trabalho de Tyler the Creator: Call Me If You Get Lost: The Estate Sale. Um rapper que me fez gostar da música Wharf Talk e Dogtooth, grande indicativo de que o cara é bom. Sem dizer na ótima Sorry Not Sorry, com um clipe que mostra suas versões artísticas em uma reflexão com possíveis culpas.
Mas Tyler merece também um puxão de orelha. Agora em dezembro lançou um clipe para divulgar a sua marca de roupas utilizando uma música brasileira na íntegra (Duplo Sentido performado por Tetê da Bahia; cujo compositor é Gilberto Gil). A encrenca se dá pelo fato de não ter mencionado/creditado/combinado os direitos com os produtores. “Why you puttin’ bad vibes in the?”
Ah, e não menos importante, lancei novo livro esse ano: Quase Mortes. Uma coletânea de contos com o tema morte em suas objetividades e subjetividades nos mais diversos gêneros.
Você pode comprar a versão impressa aqui. E o ebook também está disponível aqui.
Na esperança por um 2024 com mais justiça, humanidade e paz. Ma’a salama!
Se você tiver um interesse genuíno em entender o conflito Palestina x Israel, com paciência e dedicação mínima, além dos noticiários e postagens internéticas deixo aqui algumas recomendações de filmes e documentários, não somente de produções palestinas, mas do lado israelense também. Por ter nascido lá, ter família nos territórios ocupados, é óbvio que sempre terei o ponto de vista a partir da Palestina, a favor da liberdade, dignidade e prosperidade desse povo que sofre não somente há décadas, mas há séculos, considerando que o território palestino sempre esteve ocupado por outras potências e impérios. Por ter sido criado em terras tupiniquins, não seguir cegamente uma religião e ter uma visão humanista, sempre busquei atenuar o óbvio ódio que inflamaria ao ver qualquer notícia de lá. Se você entender a questão palestina, tenha em mente que não deve odiar Israel, ou pior, se tornar um antissemita. As atuais lideranças extremistas dos dois lados são repugnantes e desumanas. Mas tenha certeza que a maioria de civis de ambos os lados desejam a paz e infelizmente são os que mais sofrem. Os palestinos, além da paz, também são esperançosos quanto a um direito básico: liberdade.
Filmes
O Paraíso, agora! (Paradise Now; 2005) [PALESTINA] Em Nablus, Said e Khaled, dois jovens amigos de infância se alistaram em um grupo terrorista. O chamado vem e são escalados para uma missão suicida em Tel Aviv. O filme demonstra de forma muito humana os personagens, indicando os pormenores das famílias dos homens-bomba, suas motivações, além de mostrar as diferenças entre os dois lados da fronteira. Há certos momentos de humor bem dosados na quebra da tensão.
Belém: Zona de Conflito (Bet Lehem; 2013)[ISRAEL] Belém é uma cidade de grande importância para os cristãos. E sim, há palestinos cristãos na cidade palestina de Belém, que abriga a igreja da natividade, denominado como o local de nascimento de Jesus Cristo. No filme, a cidade é palco de disputas de soldados israelenses contra grupos terroristas como o Hamas que querem expandir seus domínios além da Faixa de Gaza. O jovem Sanfur é recrutado por Razi, um agente do serviço secreto Shin Bet como informante. A trama mostra o desenrolar crítico entre os dois lados e o desequilíbrio do jovem informante. Há diversos pontos narrativos que considero tendenciosos, de modo discretos, através de arquétipos, mas o roteiro contém vários detalhes que sumarizam e muito a essência do conflito, principalmente sobre teimosia: “Ainda assim é uma cabra”
Após esses dois filmes fique a vontade para ver uma penca de outros: [Palestina] O Paraíso deve ser Aqui ( It Must Be Heaven; 2019) Omar (Omar; 2013) O Ídolo (Ya Tayr el Tayer; 2017)
[Israel] O Limoeiro (The Lemom Tree; 2008) Valsa com Bashir (Valtz with Bashir; 2008) *animação dirigida por um ex-soldado Uma Garrada no Mar de Gaza (A Bottle in the Gaza Sea; 2013)
Série
Our Boys (2019){ISRAEL-PALESTINA} Essa série da HBO é uma produção em conjunto entre Israel e Palestina, abordando as trágicas histórias dos adolescentes mortos em 2014, primeiro os três judeus sequestrados por terroristas árabes e mortos, e posteriormente o sequestro de um jovem palestino por um grupo de judeus fanáticos que desejavam fazer justiça com as próprias mãos. Em dez episódios são mostrados o ocorrido, a investigação e o julgamento do grupo israelense-judaico responsável pelo sequestro do jovem palestino. A série deixa claro o problema que ambos os lados enfrentam ao lidar com seus fanáticos que agem por conta própria, pois até mesmo o Hamas nunca assumiu a autoria do plano do sequestro dos três jovens judeus. O conflito de 2014 foi um dos mais sangrentos das últimas décadas.
Listei os filmes primeiro, pois a arte e adaptação humaniza, remove o preto e branco, o lado certo, o lado errado. Após ver esses filmes, sugiro ver documentários que exploram o assunto. Há dezenas deles, certamente, indicariam o Occupation 101, mas para ser franco, há dois que elenco como essenciais:
5 Cameras Quebradas (5 Broken Cameras)[PALESTINA-ISRAEL] Feito de forma “artivista”, caseira, político desgarrado de vínculo partidário, muito sincero e que mostra a luta que escoe pelo tempo. 5 Câmeras Quebradas mostra Emad Burnat e suas cinco câmeras filmadoras que foram destruídas durante os anos de documentação da resistência pacífica-criativa e protestos contra o contínuo roubo de terras palestinas por colonos apoiados pelo exército e aparato sofisticado de um estado imensamente superior. Esse documentário me tocou muito, porque muitas cenas que são mostradas tinha visto no decorrer dos anos em noticiários de sites como Haaretez e YnetNews.
Os Guardiões (The Gatekeepers; 2012)[ISRAEL] Seis ex-chefes ainda vivos do Shin Bet, o serviço de inteligência israelense criticaram em entrevistas elaboradas pelo diretor Dror Moreh abertamente a política de segurança de Israel, incluindo missões que causaram inúmeras vítimas civis e assassinatos de líderes palestinos. Esse documentário aborda principais tópicos do conflito desde a fundação do estado de Israel em 1948. Esse documentário me perturbou em vários momentos, talvez, por ser sincero quando os entrevistados são antigos “Heads” que tomaram grandes decisões, apartando uma estética “artivista”. As conclusões dos entrevistados continuam refletindo o grande problema em que o estado vem se atolando.
Espero que essas indicações ajudem a entender o que acontece lá.
Esse post se refere aos acontecimentos dos episódios 2, 3, 4, 5 e 6 da série Our Boys, uma produção israelo-palestina que está sendo transmitida pela HBO e que eu recomendo para quem se interessa pela região e a história dos conflitos.
O segundo episódio “Eu amo Toto” (I love Toto) tem um fluxo natural da continuidade em relação ao piloto, a Shabak (Agência de Segurança de Israel) inicia as investigações do sequestro de Mohammed Abu Khdeir, encontram seu corpo carbonizado e montam uma força-tarefa que analisa imagens do local da abdução. Além do pai desnorteado, um dialogo interessante na sala de comando é quando discutem sobre os principais suspeitos não serem árabes, e sim judeus. “Tem a ver com linguagem corporal”, diz Simon Cohen, o personagem principal na empreitada das investigações, e o dialogo é interessante porque entre os dois povos há muitas semelhanças, devido ao ancestral comum e por partilharem de religiões abraâmicas. Outro ponto de grande destaque é o do terceiro episódio “Dois Maços de Next Vermelho” (Two Packs of Red Next) em que recai a suspeita de que o sequestro se encaixe em violência doméstica quando a Shabak associa conversas de celular e fotos a um comportamento homossexual do sequestrado. O baque ao pai é grande deixando mais desnorteado, afinal, o assunto é grande tabu em países árabes, onde homossexuais devem viver na surdina por temor de serem mortos. Do lado israelense plantam notícias falsas dizendo que o garoto já havia procurado ajuda em ONG’s especializadas. Um dos envolvidos na notícia plantada confessa e justifica que o sequestro do jovem palestino fez todos se esquecerem dos três adolescentes judeus mortos. O quarto episódio “O Mártir do Amanhecer” (The Dawn Martyr) traz uma cena que muitos podem ter visto em noticiários, quando uma multidão acompanha em fervorosa um procissão fúnebre, carregando o corpo do mártir, endossando a vontade de luta de todos os envolvidos. O pai fica irritado quando vê as pessoas levando os restos mortais do filho evocando como ele se fosse um “mártir de Al-Qsa”. Sua revolta se dá pela incoerência, afinal, seu filho não se habilitou para morrer por uma causa, tão menos era militante. “Nunca nos envolvemos com política”. Durante a procissão, temendo que o destino fosse a jerusalém oriental e se enfiassem em um combate com as polícias de fronteiras ele improvisa outro cântico: “o mártir do amanhecer uniu os palestinos”, ganhando evocação aos próximos, até que mudam a direção da caminhada, se mantendo na cidade. Essa cena em particular me lembrou a de outro filme israelense: Belém – Zona de Conflito (Bethlehem, 2013), quando um corpo de um militante é disputado em seu funeral por diferentes grupos terroristas, que o reivindicavam como um dos seus. O requinte de espionagem se acentua quando Simon vai a uma sinagoga para se infiltrar em uma família suspeita no episódio “Bom Sábado” (Shabbat Shalom). Com escutas e imagens capturadas por drones a Shabak acompanha o policial indo a um jantar na casa de um rabino, onde seu filho e netos são os principais suspeitos do sequestro. Um judeu russo comenta sobre a eficiência da Shabak, dizendo que ela não era como a antiga KGB, não que a apoiasse, mas que os métodos dela, de possuir conhecimento de tudo e todos era um dos pontos que faltavam para uma força policial mais assertiva. Nessa mesa de jantar há declarações sobre razão e emoção, e é lógico que são mencionados versículos da Torá, que descrevem fatos de violência justificados pelo grande Deus monoteísta. Não muito diferente se fosse em uma família muçulmana focada diariamente e estritamente nos preceitos religiosos. No episódio “Aceitação do Silêncio” (Acceptance of Silence) dá-se a continuidade das investigações, mas agora, com os principais suspeitos presos. Simon, desde o momento em que se infiltrou na casa do rabino se afeiçoou com o jovem Avishai, que no piloto se emocionou muito com os sequestros dos adolescentes judeus e acabou se influenciando por seu tio a realizarem um ato de vingança contra os palestinos. Pouco antes de ser preso, Avishai inicia um voto de silêncio, que se prolonga após estar encarcerado. Não pesquisei se esse lance do principal investigador se relacionar com a família está fiel aos fatos, ou se é meramente liberdade criativa. Existem muitos detalhes a serem explorados, mas se eu for comentar todos acabaria por transcrever tudo, e não é o intuito aqui, a ideia é incentivar a alguém interessado naquele pedaço de terra de tantos conflitos a assistir essa série.
Provavelmente a Parte 3 será um post final sobre os últimos episódios.
Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro de Israel, anunciou, de forma idiota como sempre, que a série Our Boys, transmitida pela HBO, falada em hebraico e árabe é antissemita.
Assisti ao piloto da série, que me cativou mais do que também a israelense Fauda (disponível na Netflix).
Antes de prosseguir, preciso deixar claro aos que não me conhecem que não nutro simpatia por nenhum tipo de extremismo. E até mesmo no caso da causa palestina tenho meus ideais mais focados em empatia pelos lados envolvidos e com apelo ao conceito de diplomacia que todo nobre ser humano deveria se esforçar em partilhar antes de atirar a primeira pedra. Não cresci com uma foto do Arafat na sala, tudo sobre a minha terrinha foi aprendido mais no pós 11 de setembro por vontade própria (meu pai voltou para nosso país natal um ano antes do fatídico dia e antes disso nunca me ensinou ou doutrinou sobre a tal causa) e sobrevivendo ao conteúdo absorvido na adolescência enquanto tentava me encaixar em alguma legitimidade de identidade. Não sou nenhum Gandhi da vida, mas estou longe de evocar fogo e sangue, e consigo analisar os fatos com um olhar mais frio e “científico” do panorama todo. Dito isso, espero que leiam, sem comichão de comentar prós ou contras ignóbeis, esse conteúdo sobre a série que irei postando conforme for assistindo aos episódios.
Os eventos da série são sobre o verão de 2014, em junho/julho, em que três garotos judeus são sequestrados na Cisjordânia e posteriormente encontrados mortos. Tal episódio comoveu Israel, com grandes campanhas pelas buscas, criando levantes do exército sobre os territórios ocupados em semanas de aflição. Na época, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu declarou que tal sequestro foi obra do grupo terrorista Hamas, algo que a organização negou veemente, e isso já seria ponta de desconforto político, pois todo grupo extremista não perderia tempo de assumir seus atos pelo simples conceito de espalhar o terror. Assim que os corpos dos três garotos foram encontrados houve grandes levantes populares em diversas regiões, e em uma dessas aglomerações um jovem palestino foi sequestrado e queimado vivo por extremistas judeus. Na sequência, manifestações no lado palestino eclodiram por todos os territórios e o Hamas, para ganhar protagonismo iniciou ataques de foguetes contra os territórios israelenses, que forçou ao exército ao contra-ataque deflagrando a batalha que foi batizada de Operação Margem Protetora.
O piloto mostra apenas o início de tudo, começando com uma ligação de um dos sequestrados e percorrendo os personagens dos envolvidos na investigação e do outro lado mostrando a outra vítima, o jovem palestino morto após a descoberta das mortes dos três jovens judeus.
Our Boys
O mais interessante no que diz respeito a produção da série é divisão de direção. Enquanto que Joseph Cedar dirige sobre os eventos do lado israelense, Tawfik Abu Wael, de origem árabe, dirige o desenrolar no lado palestino. O próprio título nos créditos iniciais aparecem em hebraico e árabe saudando a coprodução e participação conjunta. Fauda tinha um pouco disso também, embora ficasse mais nos atores árabes a participação, sem abertura para produção.
Our Boys tem tudo para ser a série que eu queria ver sobre o conflito que ocorreu em 2014. Critica os lados políticos sem se agarrar a outro lado político, focando, sem ser piegas, em um alicerce mais puro: as jovens vítimas que toda guerra santa maldita abocanha.