No longínquo ano de 2004, eu e uns amigos alugamos o filme Madrugada dos Mortos (Dawn of the Dead), dirigido pelo Zack Snyder, ainda sem a fama de “visionário”.
Poucos meses depois, havia na mesma locadora um DVD com uma tarja indicando a versão do diretor, com cenas extras inéditas. Naquela época, eu e meus amigos contávamos as moedas para alugar filmes, e repetir era quase impensável. Mas como aquele filme de zumbis tinha sido muito bom decidimos arriscamos e alugamos a versão “Snyder Cut”. O resultado foi que ficamos revoltados, pois as tais cenas inéditas não passavam de 5 minutos.
Corta para 2010, e uma versão em Blu-Ray saiu com outra versão do diretor, mas, macaco velho, conferi a duração, e não passava de 10 minutos. Não cairia naquele golpe de marketing novamente.
Corta para 2017, e é lançado o filme Liga da Justiça (Justice League) com a história do abandono da direção devido a morte da filha de Zack Snyder. O diretor que assumiu mudou várias coisas, incluindo ter dado luz ao mundo (Snyder sempre gostou de abusar nos tons escuros e sombrios de seus filmes), bem como ter deixado de fora várias cenas filmadas. Naquele mesmo ano já se iniciou um movimento dos fãs dos quadrinhos para que a Warner disponibilizasse a versão do Snyder. O movimento foi tão grande que vingou, e os estúdios bancaram não somente o lançamento como também deram sinal verde para que o diretor pudesse refilmar algumas cenas.
Corta para 2021. (Atenção! Possíveis spoilers) Assisti ao Snyder Cut e sou do time que adorou essa nova versão, bem melhor que a corriqueira de 2017. Os pontos que me cativaram são vários, mas os principais são aqueles que davam mais espaço aos arcos de personagens como o Cyborg, Flash e Aquaman. Gostei também pelas opções da trilha sonora, que vai desde Nick Cave and The Bad Seeds até Leonard Cohen.
Cadê o arqueir…, epa, filme errado!
Um ponto me incomodou muito: uma explicação da Mulher-Maravilha sobre a batalha antiga em que Darkseid já tinha vindo à Terra, e uma aliança entre os povos antigos para vencer tal guerra é narrado por ela com um tom de voz como em se ela estivesse em off, com uma empolgação incoerente, sendo que a cena em si era um diálogo com o Bruce Wayne. Mas enfim, duvido que outras pessoas se incomodem com isso. Sei que sou o chato da história.
E muita gente tem reclamado do epílogo (o filme foi divido em partes), dizendo que as cenas finais são desnecessárias, com uma “forçação” de barra para aparecer personagens como o Coringa do Jared Leto e o Caçador de Marte (também conhecido como Ajax hahahaha). Mas entendo o intuito do Zack Snyder. Ele quis mostrar de forma provocativa como seria o seu plano de filmes, para possíveis continuações. E eu também não podia reclamar do final extenso, afinal, no passado tudo o que eu gostaria de uma versão do diretor eram cenas e mais cenas, e não apenas 5 minutinhos a mais.
O filme deu um fôlego para a DC e também para Snyder, que espero algum dia poder fazer um filme de ficção realista mais voltado para o drama, sempre imaginei que sua visão criativa e sombria combinaria com algo do tipo.
Embora o ano de 2018 ter sido marcado por embates ideológicos e com a tristeza de não termos sido hexacampeão no campo, só vi vantagem nesses rápidos 12 meses que se passaram. E o motivo para tal saldo positivo foi o fato de meu próximo romance, A Melhor Parte da Mentira, ter sido escolhido para publicação pela editora Nocaute. Nem precisava dizer mais nada, acabar minha retro na modéstia de ter sido selecionado em mais de cem originais enviados para submissão e ter a noção de que minha carreira de escritor tem lá seu espaço nesse mundo canibalesco. Mas como é tradição (firmada por mim mesmo) vou lançar aqui o que melhor vivenciei em 2018. Lembrando que esse site é reservado para detalhes vinculados à arte, então não esperem ver detalhes pessoais como mudança de emprego e amores mil. O livro que mais me cativou foi um nacional: O Filho Mais Velho de Deus e/ou o Livro IV, do autor Lourenço Mutarelli, que deu uma entrevista para a Folha que me perturbou, pois mostra que mesmo o cara que deu certo como escritor, não consegue estufar o peito e dizer que consegue viver apenas de literatura, justo no fim do ano, em que as maiores redes de livrarias declararam monstruosos problemas financeiros. Porém, a obra de Mutarelli é muito interessante. Faz parte do projeto Amores Expressos da Companhia das Letras, em que há alguns anos vem despachando escritores para uma cidade ao redor do mundo com as despesas pagas para vivenciar algo e escrever uma obra que seja ambientada em tal cidade e que obrigatoriamente deva ter uma história de amor que se desenrole lá. Em o Filho Mais Velho acompanhamos a história de Albert Artur Jones, nome esse criado para proteger a identidade verdadeira da pessoa que entrou numa espécie de proteção à testemunha de um perigo que ele mesmo desconhece de fato, pois não foi testemunha primária de algo, mas que tem a ver com reptilianos mencionados no bilhete suicida de um amigo. E o vemos desembarcar em Nova York. A escrita de Mutarelli é muito engraçada e de fácil degustação. Enquanto o narrador faz um paralelo com os nomes dos personagens e seus homônimos assassinos seriais ao longo da história há também toda a paranoia envolvendo um cidadão mediano que se vê diante da grande oportunidade que é a de reavaliar e mudar sua vida. Embora eu tenha adorado a prosa, pode ser que muita gente não goste, pois como disse o próprio Mutarelli em entrevista recente: “Faço uma literatura agradável mas na qual você precisa tapar o nariz para encarar”.
Musicalmente foi um ano repleto de enfrentamentos, desde a “This is America” de Childish Gambino (o Donald Glover), como “Boca de Lobo”, do nosso Criolo, cujo clipe bem produzido toca na ferida da situação sócio-política do país. Teve também o lançamento do albúm No Tourists, da banda do coração The Prodigy. Mas o lançamento mais marcante foi o do Artic Monkeys, o trabalho Tranquility Base Hotel + Casino, que é bem diferente do AM de 2013 (que tem as minhas preferidas R U Mine? e Arabella). É um trabalho mais maduro, odeio dizer isso de uma banda, ainda mais dessa banda, por ser de rock, por ser mais do lado indie, mas é a real no caso deles. E ficou um trabalho sensacional.
Conforme os anos vão passando cada vez mais se torna difícil acompanhar séries. Seja pela correria do dia a dia, seja pela variedade estupenda com que elas são descarregadas para nós. E embora tenha tido picos como o fim de House of Cards, a bem acertada segunda temporada de Westworld e a estreia da surpreendente The Haunting Hill House , o que pegou de jeito foram as mini-séries. Talvez, o bom trabalho do primeiro ao último episódio e a sensação de que não vão estragar no ano seguinte ajudaram no meu julgamento. Eis as três que ocuparam o pódio: -Maniac
Maniac: Bora lá ser aceitável pela sociedade
-Patrick Melrose, série britânica dramática com Benedict Cumberbatch -Objetos Cortantes (Sharp Objects) Confesso que Objetos Cortantes conseguiu se mostrar como a melhor, pois a Amy Adams está brilhante na atuação e seu nome também figura como produtora.
Que maquete mais linda.. EPA PERA!
Menção honrosa para séries que descobri: Peaky Blinders (4 temps) e The Handmaid’s Tale (2 temps) que tem a Elisabeth Moss que eu já adorava de Mad Men.
O melhor documentário foi sem dúvida a produção Serei Amado Quando Morrer (They’ll love me when I’m dead) que fala sobre a conturbada produção de Orson Welles no filme The Other Side of the Wind, dissecando diversos problemas enfrentados por um artista.
Não consegui comprar muitos quadrinhos, mas ao menos matei a vontade ler Império, do Mark Waid, em que a história se desenrola após o vilão Golgoth ter dominado o mundo e instaurado o Império, e o fim não acaba após essa vitória, pois após a conquista total, vem a luta de manter tudo que conquistou.
Dos nacionais tem o Silas, uma aventura Steampunk num universo especulativo bem interessante com arte e roteiro do Rapha Pinheiro. Não tenho o que comentar sobre o herói nacional O Doutrinador, não li nada. Não critico o que não consumo.
Vamos aos filmes. Quase ignorei Você Nunca Esteve Realmente Aqui (You Were Never Really Here) com Joaquim Phoenix e Ekaterina Samsonov. Por sorte dei chance e me surpreendi com o ótimo trabalho da diretora Lynne Ramsay, que mostra cada vez mais que será um grande nome nas telonas. Sem entrar em muitos detalhes, basta imaginar o doido do Joaquim Phoenix (que será o novo Coringa, vale ressaltar) num papel de um veterano perturbado que ajuda a polícia a encontrar mulheres presas em cativeiros como escravas sexuais.
E outra pérola que quase passou desapercebida foi A Morte de Stalin (The Death of Stalin). Em que com um bem pontuado humor negro mostra a morte do Stalin e o momento de disputa de seus prováveis sucessores. E não se deixe enganar pelo trailer, não é uma comédia europeia para quarentões. Há uma porrada de momentos de tensão com guinadas para momentos de refúgio cômico.
Skavurska!
Menções honrosas: Pantera Negra (Black Panther), Três Anúncios para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing Missouri), O Artista do Desastre (The Disaster Artist), Unsane e Aniquilação (Annihilation) que tal a minha eterna crush e conterrânea Natalie Portman.
Fecho com uma das melhores fotos, premiada no National Geographic Photo Contest, em que Alison Langevad capturou dois rinocerontes-brancos que saíram para beber água no meio da noite na Reserva Zimanga Game na África do Sul.
A apreciação é o que resta, já que nesse ano morreu o último rinoceronte branco do norte. Enquanto existem os do sul, o reflexo me fez lembrar daquilo que sempre venho ditando nas retrospectivas mesmo mencionando apenas coisas boas: esperança. E que venha 2019!
Tinha até pouco tempo atrás uma bronca com Denis Villeneuve, o diretor canadense de A Chegada. O motivo era a adaptação do livro de José Saramago, O Homem Duplicado, para a telona. Foi, a meu ver, uma espécie de contrabando que o cineasta cometeu, visto que a essência do livro foi ignorada para mostrar uma versão da questão do duplo em outro aspecto: o da infidelidade e adultério.
Não que o filme O Homem Duplicado (Enemy) seja ruim, muito pelo contrário, é uma ótima trama com uma atuação de tirar o chapéu para Jake Gyllenhal. Mas chato como sou fiquei com a impressão de que Villeneuve é um sacana.
Minha opinião não durou muito, foi atualizada com Sicario: Terra de Ninguém (Sicario), um filme sobre uma caçada ao narcotráfico mexicano e seus métodos extraoficiais.
Mas parece que é na ficção científica que Villeneuve parece ter se encontrado. Lançado no fim de 2016, A Chegada (Arrival) é a adaptação do conto História de Sua Vida, de Ted Chiang, e o filme mostra a aparição de doze naves batizadas de Conchas que aterrissaram em lugares aparentemente aleatórios ao redor do globo. Assim que o exército capta uma transmissão sonora fica claro que os extraterrestres desejam estabelecer contato e então entra em cena a Dra. Louise Banks (Amy Adams ), uma linguista renomada que já prestou serviço às forças armadas, que é chamada às pressas pelo general Forest Whitaker para a tarefa de decifrar o que querem dizer os visitantes que são chamados de heptápodes por terem sete membros.
Amy Adams é a protagonista cujo drama, além da tensão da urgência em descobrir quais as intenções dos visitantes, é complementado com flashes de sua vida familiar, muito confusos no início. O coadjuvante Ian Donnelly (Jeremy Renner) é um físico também renomado que está na equipe da linguista e ajuda no roteiro com ideias e frases que ajudam a compreender o plot no final de tudo.
Concha
O problema de A Chegada foi, a meu ver, que muitos pontos de contatos discutidos anteriormente, seja na literatura seja no cinema, são revisitados como se pioneiros do gênero. Entendo que para fins de um público maior vale todas as explicações ressaltadas, mas alguns momentos ficam cansativos e evidentes para aqueles que se lembram de Contatos Imediatos de Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind), Contato (Contact), e até mesmo do livro Os Próprios Deuses (The Gods Themselves), de Isaac Asimov.
A despeito dos detalhes técnicos e das complicações da tarefa, o ponto alto da trama é a divisão que os extraterrestres criaram, por terem aterrissado em lugares diferentes do mundo, algo a quebrar aquele velho clichê que eles só pousavam nos EUA, e grande agravante dos impasses que gera devido às diferenças culturais e políticas que a humanidade encara ao longo de sua existência.
Empatia
O medo do desconhecido e as diferenças entre os humanos tornam a solução final emblemática, com o conceito da língua universal e o conceito de soma não zero como ótimas “armas” para a civilização.
Embora A Chegada esteja entre os indicados de melhor filme, duvido que leve a estatueta. Mas espero que Villeneuve tenha sorte semelhante nas próximas FC’s, pois já sabemos que ele dirigirá a sequência de Blade Runner e está em avançadas negociações para o remake de Duna.