O Melhor de 2022

Findo 2022.
Quem não sofreu de ansiedade não viveu esse ano direito.
Da parte de minha carreira (quase anônima) literária optei por não publicar esse ano. Tive uma boa experiência nos dois anos anteriores com o KDP e ótimos retornos de leitores Brasil afora, mas decidi administrar o até então por enquanto.
Não será um hiato, é mais uma reavaliação das pouco mais de 250 mil palavras publicadas.
Dito isso, parto abaixo para a retrospectiva do que consumi artisticamente (todo entretenimento que me convém) filtrado pelo seu melhor.


De livros clássicos tive a oportunidade de conhecer Ursula K Le Guin e me encantar com sua prosa em A Mão Esquerda da Escuridão.
Dei uma segunda chance para o Gabo e concluí Cem Anos de Solidão.
Li um Pynchon, foi o Leilão do Lote 49. Lerei outra coisa dele? Não tão cedo.
De amigos contemporâneos pude ler de Fábio Fernandes o Love Will Tear Us Apart com a experiência hipnótica de Ian Curtis. Adquiri e li também o mais recente do Cirilo Lemos, o Estação das Moscas, que acompanha crianças em Nova Iguaçu nos anos 90 brincando nas ruas e redondezas e seu personagem principal, o Jona que depois se torna Jona Abscura ao ter que enfrentar uma criatura maligna que não tem mais o que fazer.
No ano em que as 5 finalistas do prestigiado Prêmio Jabuti foram mulheres, também elenco aqui cinco nomes do que li:
Irka Barrios por seu Júpiter Marte Saturno. Os contos preferidos foram A Letra A, Damião sob a Pirâmide e o Viúvas do Silo que merecia se tornar um curta.
Socorro Alcioli por seu A Cabeça do Santo. Rico em realismo mágico e brasileiríssimo.
Carla Madeira com seu Véspera, sensível e atordoante, das tragédias familiares e afetivas.
Maria Fernanda Ampuero por seu Rinha de Galos. Com violência agregada em cada parágrafo.
Natalia Borges Polesso por seu A Extinção das Abelhas. Distópico sensível e perturbador em uma prosa sofisticada e fácil de ler.


Júpiter Marte Saturno
Júpiter Marte Saturno

Das séries foi um ano de fechamento de algumas que amava como The Last Kingdom e a deleitosa Better Call Saul, que foi uma prequela sensacional e bem costurada até emendar com a queridinha Breaking Bad.
Além de um grande início: Sandman.
Após décadas Neil Gaiman conseguiu transportar o senhor dos sonhos dos quadrinhos para a telinha.
Mo, uma dramédia de um palestino vivendo no Texas e lutando por seu direito de conquistar a cidadania na terra da oportunidade.
A britânica Slow Horses também foi um grande acerto da Apple TV. Com Gary Oldman dito em muitas sinopses como o “007 que não deu certo”.
Foi um ano de quase fins. Pois Peaky Blinders deu a deixa para o tão comentado e possível filme com uma conclusão mais digna.
The Crown que jurava que era a última temporada, fiquei feliz de saber que haverá outra.
E Stranger Things que já deu, né?

Mas as melhores que ocupam o pódio são:
Andor, que mostrou que a Disney às vezes cochila e os produtores conseguem fazer algo muito bom. É a prequela da prequela Rogue One, feita com dedicação ao cânone e com o zelo de contar uma história sobre rebeldia (Sim mimizento de direita, desde 1977 já existia os rebeldes, conviva com isso).
Uma boa surpresa foi a série documental/primeira pessoa/cronista How To With John Wilson. Em que um carinha com uma câmera explora o dia a dia ianque em episódios curtos que mostram absurdos sem fim dentro da pauta em que se desdobra. Olha, se eu tinha dúvida de que Nova York tem doido ela foi sanada com essa série. Por sorte há uma nova temporada saindo do forno agora em dezembro 😊.
Landscapers é uma minissérie com os sensacionais David Thewlis e Olivia Colman interpretando um casal estranho mediante um caso de homicídio.
Mas a mais fodástica é a Ruptura (Severance).
O tema casou muito bem em uma época em que a pandemia ainda faz parte do cotidiano mundial e as corporações passaram a vender muito o mote do benefício entre separar “vida pessoal da profissional”.
Acho injusto lançar a sinopse aqui. Será mais proveitoso ir tão somente pelo meu gosto e selo de aprovação.


"Lá vem o RH falar sobre meritocracia e porque não terá PLR nesse ano"
“Lá vem o RH falar sobre meritocracia e porque não terá PLR nesse ano”

De documentários achei interessante ter sabido que houve um Woodstock em 1999, pelo Desastre Total: Woodstock 99. Que teve bandas de rock da minha época de roqueiro expressivo, vibrando de maneira bem diferente do que foi a clássica e lendária Woodstock de 1969.
E é lógico que a minissérie documental vai mostrar que deu errado esse festival, muito errado.
Mas o que mais ressoou foi o Diários de Andy Warhol (The Andy Warhol Diaries).
Essa minissérie documental narrada pelo próprio Andy através de uma inteligência artificial através de seus escritos de seu diário pessoal deu uma visão mais humanizada da figura icônica, cuja imagem que eu tinha dele era um tanto plástica demais. Toda a transformação da arte pop está lá com seus pares contemporâneos e suas desventuras e tragédias.

Expoentes da Arte: Andy e Basquiat
Expoentes da Arte: Andy e Basquiat

Única ida ao cinema foi para ver Elvis, dirigido por Baz Luhrmann. Um filme para o grande público, que cumpre o papel de mostrar os detalhes da vida do tal rei do rock com foco em sua tragédia pelas mãos de seu empresário picareta e manipulador Tom Parker.
Boas surpresas com Speak No Evil e a estranheza da passividade de alguns povos europeus.
Vengeance com uma história de mistério e construção artística que lembrou o meu livro A Melhor Parte da Mentira (escrito em 2015, e que um dia será publicado, ô se vai).
Nada de Novo no Front (All Quiet in the Western Front) é o melhor filme de guerra do ano.
Argentina 1985 é memorável, indica o erro do passado de não termos feito algo semelhante em terra brasilis.
Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness) é a comédia que navega sobre a temática de conflito de classes.
Titane é um ótimo body horror com uma desgraceira sem limites.
A Mão de Deus (È stata la mano di Dio) é um ótimo italiano, Sorrentino saberá criar seu legado ao nível de Fellini.
Uma das maiores expectativas e que por culpa da espera não chegou a ser um “dez” foi O Homem do Norte. Mas alto lá, é um filme nota oito. Com grande produção e ambientação do diretor de A Bruxa (The Witcher) e O Farol (The Lighthouse).
Outra promessa que me deixou na expectativa foi Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everwhere All at Once).
Mas esse superou a expectativa já alta. Tem ótimas e engraçadas atuações de Michelle Yeoh e Jamie Lee Curtis, em um enredo de ficção científica explorando o conceito de multiverso, que mesmo saturado no entretenimento, foi original e bem desenvolvido.
Mas o primeiro lugar, deve ser para o 13 Vidas (Thirteen Lives), lançado na Amazon Prime, com Viggo Mortensen e Colin Farell nos papeis de dois mergulhadores que ajudaram no resgate de um time de futebol mirim presos em uma caverna na Tailândia.
O enredo é sublime pela simplicidade de demostrar a trama ocorrida em 2018 e que foi amplamente acompanhada mundo afora durante a copa do mundo daquele ano, balanceado com os pontos de tensão reais, enquanto há uma enorme cooperação local e internacional pelo resgate quase impossível.

Menções honrosas: Bardo – Falsa Crônica de algumas verdades (Falsa Crónica de unas Cuantas Verdades), Glass Onion, A Tragédia de MacBeth (The Tragedy of Macbeth), Não, Não Olhe! (Nope), X – A Marca da Morte, Top Gun Maverick, Men, Mulher Rei (The Woman King), A Lenda do Cavaleiro Verde (The Green Night)

Respire fundo antes de assitir
Respire fundo antes de assitir

De gibis (ou HQ se preferir) curti o Intempol – Agora, de Octavio Aragão.
Com histórias diversas com roteiristas e artistas singulares, essa antologia mostra que temos uma ficção científica brasileira pujante. E que deveria ser mais valorizada.
Fica a dica.

Intempol - Agora
Intempol – Agora









Como bom ouvinte de rock, estou sempre mais atento a lançamentos desse gênero, então não pude deixar de ouvir os álbuns lançados das bandas Planet Hemp (Jardineiros), Slipknot (The End, So Far), Ratos de Porão (Necropolítica).
Apesar de ter gostado desses trabalhos, o melhor desse gênero foi da banda alemã Rammstein com seu magnífico Zeit. Angst ficou no repeat por algumas semanas.

Mas a melhor coisa lançada para satisfazer os meus tímpanos foi o belga Stromae com seu Multitude.
Stromae dominava as rádios no início dos anos 2010.
Mas só nesse ano que me cativou com esse álbum e músicas como L’Enfer, Fils de joie e a minha predileta Santé.

L'enfer
L’enfer

Se pudesse resumir 2022 seria como a minha (única) ida a praia nesse ano.
Por sorte as águas estavam numa temperatura excelente.
Por azar as águas estavam muito violentas, transtornando um bom banho de mar, com ondas que golpeavam furiosas, forçando essa pessoa que não sabe nadar para fora.
E foi assim mesmo esse ano, não foi ruim, mas o fim vem com grande alívio.


"Ainda bem que raspei o cabelo, não vai sair a calvície"
“Ainda bem que raspei o cabelo, não vai sair a calvície”

Ma’a salama 2022!

Punk de Minneapolis

Setembro é aquele mês em que a nação roqueira adora desenterrar piadas sobre o cara do Green Day devido a música “Wake me up when september ends”.
Só lembro de que existiu Green Day por causa desses memes que já se equiparam ao tiozão querendo ser engraçado com a piadinha do pavê.
E apesar de ter gostado de algumas músicas no passado dessa banda, nunca estive na pegada a ponto de querer ir a um show deles.
Afinal, eu era aquele metaleiro que andava de preto,  coturno,  calças rasgadas,  correntes e às vezes cara pintada (magina um corpse paint feito com tinta de tecido e não ter ficado cego o_O).
E metaleiro jagunço quase não dá bola para o estilo punk. Quase.
Principalmente esse que vos fala, que vibra com eletrônicos variados, clássicos (eruditos mesmo) e árabes para honrar a origem.
Dentro dos sub-gêneros do rock o punk é um dos que se mantiveram na linha e eu curti uma outra música que provavelmente está no mainstream e gaveta das modinhas.
E embora nunca tenha sido um punk ou tido um moicano ainda conseguia me encaixar no que era de bom tom para o Mov.
E falando em Mov me lembro daquele outro que volta e meia é dito como “quem traiu o mov”: João Gordo.
(Muitos) anos atrás o vocalista da banda Ratos de Porão estava explicando sobre estilos punk’s e acabou por enquadrar o Green Day no “punk californiano”.
E é com todas essas voltas que eu chego no intuito desse post.
O álbum Be Good da banda Off With Their Heads.

Lançado nesse ano, caí no gosto de algumas faixas e o tom, estilo e vibração acendeu a fagulha do que o JG disse há muito tempo.
Em rápida pesquisa descobri que a banda é de Minneapolis.
E nos filmes que assisti a cidade sempre me pareceu um ótimo lugar para se viver.
A composição do nome vem de Mine que significa água no idioma indígena Dakota e Pólis, mais popular, significa cidade, do grego.
Às margens do rio Mississipi e com dezenas de lagos, com uma população abaixo de meio milhão.
Em séries e filmes sempre era exibida com a estrutura de uma metrópole com a qualidade de vida interiorana.
E o meu preconceito com esse detalhe urbanoide é que sempre que analisava o momento do surgimento do movimento punk e consequentemente as suas vertentes musicais punk rock as imagens que predominavam eram cenários industriais ou de ruas marginalizadas.
Todo o background de contracultura estava associado a certas decadências da sociedade, e as cidades sempre foram determinantes, pelo menos para mim.
As mudanças políticas que trouxessem desequilíbrios sociais teriam por efeitos estragos nas belas ruas e suas fachadas com as pichações de anarquistas insatisfeitos, números de desabrigados, vadios e outros indivíduos cuspidos para centros comerciais e bairros do submundo.
Quando o João Gordo explicou que Green Day era punk sim, mas um punk californiano, essa ideia intricou na mente de vez.
E toda vez que via uma banda nova que declarava punk, mas que era de uma cidade fodástica ou do primeiro mundo eu meio que torcia o beiço e menosprezava.

Green Day era um exemplo.
Um dos meus sonhos de adolescente era morar na Califórnia num triplex, curtir a vida enquanto rolasse a greenback boogie no meu bolso com o inevitável sucesso da minha carreira de cineasta.
Nunca conseguia imaginar uma revolta punk surgindo de um lugar como a Califórnia.
Anos se passaram e a banda Off With Their Heads lança o álbum Be Good.

Pois bem, esse árabe adulto e que nunca mais sai nas ruas de preto com coturnos e correntes ainda tem seus preconceitos.
Mas alto lá!
O amadurecimento torceu minha mente. Faço careta de bate e pronto, porém, ouço as faixas disponibilizadas pelo canal da gravadora (Epitaph Records) no Youtube.
E eis que relevei com a simples noção de que a ambientação não parece mais um fator tão determinante para a “revolta”.

Talvez seja o momento atual deste século, em que todas as previsões sombrias do cyberpunk se revelam com espectros coloridos e todos humanos sempre excepcionais e felizes em seus avatares virtuais ao invés de céus escuros, paisagens monocromáticas e personas pálidas e taciturnas.

Be Good tem um vocal gutural e carregado em boa parte das faixas.
Mas ainda assim o som que tem sim uma aproximação do punk rock traz uma sensação de estranheza quando parece estar dando esperança.
Se na banda nacional Os Replicantes a música Festa Punk exaltava uma revolta por aqueles que queriam uma festa que rolasse discos punks, Be Good tem uma faixa intitulada Death.
Com um vocal sem letra, e um instrumental que se encaixaria em uma porrada de banda indie.
Be Good até parece uma evocação de revolta, em época de social medias, fastnews, fakenews, ansiedade, neo-facismo, populismos e moralização exaltantes de todos os espectros de polarizações.
“Seja Bom” seria a saída mais simples e de melhor resultado para um revoltado, mesmo que ele já seja cidadão de uma cidade bonita e farta.

Pô! E justo quando eu estava tentando captar a pegada do álbum, enquanto buscava outras faixas, me deparei com a capa:

Be Good

Be Good

A imagem, claramente uma foto amadora, mostra mulheres em trajes aparentemente menonitas, a curtir uma tarde na praia tendo ao fundo uma torre de refrigeração de uma usina nuclear dando um aspecto um tanto bizarro.
Para fins marqueteiros o ambiente ainda parece ter peso afinal…

Ma’a salama!