Nostalgia VHS
Com a mudança de minha mãe para o interior tive que pegar coisas antigas que estavam em seu apartamento, renegadas ao zelo do museu jovial.
Muitas passaram pelo crivo do bom senso e foram para o lixo.
No entanto, houve um item que fiz questão de pegar e manter em minha casa: o videocassete.
Então, me deixei levar por um momento de reflexão para entender o porquê queria tanto um aparelho comprado nos anos 90.

O objeto nem mesmo funciona (tomada mastigada junto com a sala toda por uma cachorra).
Resgatei em memórias o evento que foi quando meu pai, um lancheiro simples, trouxe para casa o aparelho.
Foi o suprassumo do sucesso, me senti rico, afortunado por agora poder assistir filmes que não fossem os que somente passavam na TV.
Para testar o aparelho o seu Mohamédi (como 100% dos brasileiros o chamam) alugou uma fita numa locadora de posto.
Inocente criança eu era. Não sabia o que era um Trailer.
No início do filme fiquei chateado ao pensar que meu pai pegou um filme de romance ao ver uma cena de um casal na cama.
Corte de cena, um tremor. Corte de cena, um gigantesco disco voador sobre a cidade. Corte de cena, cidades sendo bombardeadas por extraterrestres.
Empolgado e confuso com a velocidade e desconexão das cenas entendi ao final que aquilo não passava de uma propaganda embutida. E que o verdadeiro filme se iniciaria depois.
Quando espiei a capa da fita fiquei emburrado novamente, porque pensei que o Coração Valente (Brave Heart) seria de fato algum romance. Feliz engano.
Os anos seguintes moldaram o meu comportamento em relação aos filmes.
Havia o problema econômico envolvido, claro, nem sempre meus pais permitiriam alugar uma fita, mas quando conseguia após insistência era uma felicidade sem fim.
Sessões Pipoca, chamava amigos, quase sempre me antecedia em uma análise solitária para poder vibrar com os outros.
E quando a locadora permitia ficar mais tempo com a fita? Era o caso em que se alugava na sexta a noite e só devolvia na segunda.
E quando dava desconto se devolvia já rebobinada? (Se for jovem demais pesquise pela imagem de uma fita VHS, note que o filme era uma película que para a exposição ao leitor era passada de um rolo a outro).
E quando descobri que vendiam fitas “virgens”. E que era possível gravar filmes da TV.
Nunca mais perdi uma sessão noturna. Ou perdia propositalmente aquele filme de terror para assistir a gravação programada no conforto da tarde iluminada (e calorenta de Jalão Tropical) no dia seguinte.
Esse lance de poder gravar filmes que passavam na TV foi uma sacada e tanto, pois criei um esquema que me possibilitou assistir a lançamentos antes mesmo de chegaram nas videolocadoras.
O detalhe era que entre a exibição no cinema e a disponibilidade dos filmes nas locadoras, algo entre 3 meses a 1 ano, a TV paga exibia os grandes blockbusters em canais como HBO, Cinemax e afins.
A criança aqui assistia às propagandas da DirecTV e anotava os lançamentos da HBO num papel, depois, ia até o orelhão do outro lado do quarteirão, ligava para o tio que mora na capital paulista, falava os nomes dos filmes para ele presentear o seu sobrinho (preferido? rs) e tudo muito rápido para que a ficha caísse devolvida no final. (Sim, jovem de hoje, era nesse naipe).
E cá estamos, quase trinta anos depois, e o videocassete em minha estante da sala.
Há eventos de retorno de comportamentos, hábitos e coleções nostálgicas às pencas.
E a psicologia explica esse funcionamento do ser humano.
A volta do vinil.
A volta de powershots para fotografar momentos.
A volta do VHS.
Toda essa nostalgia está presente em diversas tendências recentes.
Mas ainda não conseguia entender o porquê que quis tanto o videocassete que serviria apenas como peça decorativa.
Pois, veja bem, aqui entra uma questão importante, eu me dei muito bem com a evolução a seguir.
Os DVD’s foram aceitos por mim devido não somente pela qualidade, mas pelo fato de ter materiais extras que eram raros em fitas VHS.
Making ofs, entrevistas, easter eggs, e não precisava se preocupar em rebobinar.
Dez anos depois foi a vez dos serviços de streamings (vou omitir aqui toda uma vivência sólida no mundo dos torrents), que possibilitou o consumo a um outro patamar, mil vezes mais cômodo devido à disponibilidade quase que vitalícia dos filmes nas plataformas e cuja noção de posse foi remodelada.
Não posso reclamar das evoluções, pois elas tornaram acessíveis muitas obras que seriam mais caras se dependessem de uma locação de mídia analógica.
Essa parte social-econômica talvez nem seja a parte mais importante.
Há também a questão do testemunho dessas transformações.
Talvez, millenial que sou, e grande parte da geração Z, esteja tendo dificuldade em lidar com essa nostalgia, por se identificar como das últimas hordas humanas que tiveram contato, uso e noção de mídias analógicas, vendo tudo migrar para o digital, para a tal nuvem, para uma não posse da unidade, e aceitando somente serviços que podem facilmente caber no seu bolso (referindo ao aparelho celular).
Se o millenial será o novo boomer, não posso contradizer.
Se esse apego nostálgico é inócuo ou nocivo, vai depender do quanto ele afetará a nossa capacidade de entretenimento atual.
Perdão se o texto caiu para um “black mirror” com essa conclusão.
Mas afinal, acho que faz parte de todo sentimento nostálgico: felicidade e tristeza se digladiando em seu coração.
Ma’a Salama!







